Mesmo adiadas por pouco mais de um mês, as eleições deste ano ainda ocorrerão em um momento crítico, de pandemia. Em âmbito municipal, onde serão eleitos vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, o processo eleitoral está previsto para 15 de novembro e, em caso de haver 2º turno, 29 de novembro.
Faltam, aproximadamente, três meses para a data prevista da eleição e muitas incertezas em relação a todo o processo que ela envolve: preparação da Justiça Eleitoral, campanha, debates e a própria votação em si.
Esses aspectos se desdobram em outros, que passam, principalmente, por questões de saúde pública, como alerta o médico infectologista e professor da Universidade Tiradentes, Matheus Todt.
INEVITABILIDADE
“Devido ao tamanho territorial e à heterogeneidade do país, em termos social e econômico, vivemos o “pico da pandemia” em diferentes momentos. Então, definitivamente, não é o ideal realizar uma eleição nessas circunstâncias”, reforça.
Aliás, para o infectologista, as pessoas não deveriam sequer ir votar. “Mas, considerando a inevitabilidade das eleições ainda esse ano, as pessoas devem evitar aglomerações, manter a distância mínima de 1-2m, evitar tocar as superfícies, ter o álcool gel sempre à mão e sempre usar a máscara”, recomenda.
Doutor em Sociologia, professor e pesquisador, Allan Veiga, explica que, no âmbito de um Estado democrático de direito, qualquer posicionamento que tenha como escopo privilegiar os ditames dos dispositivos constitucionais deve ser encarado como acertado.
DISPOSITIVOS
Neste sentido, para o professor doutor, a decisão de dar manutenção à eleição ainda para este ano, adiando-a de outubro para novembro, conservando o tempo de mandato, pode ser vista como um ato que conforta bem ao menos dois dispositivos constitucionais essenciais.
“Por um lado, a “inviolabilidade do direito à vida”, expressa no artigo 5o da constituição; preservando o cidadão, ainda que de forma mitigatória e não absoluta; e, por outro lado, o “sufrágio universal”, por meio do qual a “soberania popular será exercida”, como expresso no artigo 14 da carta republicana, trazendo, a reboque, o “princípio da alternância dos poderes””, argumenta.
Recentemente, a assessoria técnica do Tribunal Superior Eleitoral – TSE - emitiu parecer ponderando que aqueles políticos popularmente chamados de “ficha-suja”, condenados por abuso de poder econômico e/ou político na eleição de 2012, afastados, por oito anos, de disputas políticas, devem poder concorrer já na eleição de 2020.
QUESTÕES JURÍDICAS
Isso porque, uma vez que a eleição de 2012 ocorreu em 7 de outubro e que a eleição desse ano, inicialmente marcada para 4 de outubro, foi adiada para 15 novembro, a assessoria do TSE entende que eles já têm o direito de concorrer legalmente reestabelecido, restando a análise e o voto dos ministros do Tribunal para definir a questão.
“Certamente, neste caso, para os interessados, o adiamento pode ser bastante “positivo”, ainda que não o seja para o desenvolvimento pleno da democracia”, ressalta Allan Veiga, que admite não estar convicto de que a eleição deste ano não contará com o chamado “corpo a corpo”, como estratégia de campanha eleitoral.
Para ele, tendo sido a eleição postergada pela razão maior de proteger a população da pandemia do novo coronavírus, não parece razoável pensar que o adiamento foi calculado contando com a possibilidade de transmissão do agente viral da Covid-19 no decorrer do processo eleitoral, lá em novembro.
INCERTEZAS
“A eleição foi remarcada justamente para preservar ambos os dispositivos constitucionais já elencados (a vida e a alternância de poder) e, no que tange o direito ao voto, o conhecimento, por parte do eleitor, dos candidatos, também no contato corpo a corpo, é parte desse processo democrático e historicamente tem sua importância”, analisa.
Essa importância se dá, em especial, na eleição municipal, que tem uma dinâmica e arranjos sociopolíticos próprios e distintos, quando comparada à eleição para os representantes nacionais e estaduais. “Até a data destas anotações, não se tem conhecimento de proibições, advindas do TSE, de comícios, passeatas, carreatas, distribuição de panfletos e “santinhos” ou de qualquer meio que viabilize o corpo a corpo dos candidatos com os eleitores em via pública”, reitera.
Mesmo que de um modo geral os decretos governamentais - estaduais e municipais - que definem as normas sobre a situação de emergência para a pandemia, não mais se estabeleçam com fortes restrições de contatos públicos de pessoas ou se encaminham para a liberação da retomada do cenário de interação e desenvolvimento socioeconômico anterior à pandemia.
VIRTUALIZAÇÃO
“Independentemente de haver ou não proibições e/ou restrições ao corpo a corpo eleitoral, a eleição desse ano, no meu entendimento, reforçará e intensificará um processo que já vinha ocorrendo no Brasil, pelo menos desde 2014, a “virtualização das eleições”, inclusive com uma espécie de “estímulo institucional”, por parte do TSE”, analisa.
Isso porque o período de campanha geral foi aumentado e o de TV mantido, sendo, portanto, natural o incremento do escoamento das campanhas para a internet. “Uma vez que mesmo com o corpo a corpo nas ruas, há a possibilidade de uma parcela do eleitorado manter-se em alguma condição de distanciamento social, tendo as redes digitais e a internet, de um modo geral, como um importante meio de contato com os candidatos”, reitera
Essa virtualização vem acontecendo desde 2014. Para Allan Veiga, cada vez mais os candidatos que buscam interagir com o eleitorado através da internet tendem a ter algum tipo de vantagem política, especialmente pela forma mais direta e ostensiva de contato que as redes digitais possibilitam.
PREPARAÇÃO ELEITORAL
“Portanto, são datas em que se projeta a diminuição na pandemia e a possibilidade de realizar a votação com segurança para eleitores e colaboradores da Justiça Eleitoral. Isso significa que a ocorrência das eleições de 2020 em novembro foi pensada utilizando-se critérios apropriados de análise com profissionais que trabalham com os dados existentes de forma científica”, ressalta Gerard.
Por outro lado, também foi considerada a possibilidade de haver em determinados municípios a necessidade de alteração dessa nova data, caso não haja as condições de segurança adequadas à ocorrência da votação. “Em relação ao Estado de Sergipe, estamos otimistas acreditando que os dados de que dispomos apontam para a possibilidade de ocorrer as eleições em todos os municípios em 15 de novembro”, destaca.
Mas ainda assim será uma eleição numa pandemia, com alterações importantes para tentar evitar o contágio. Uma das principais é a exclusão do reconhecimento biométrico da digital na seção eleitoral. “O uso da biometria digital será eliminado das seções neste ano para que seja mais rápido o processo de votação, eliminando-se as filas, e para que o equipamento de leitura da digital não seja um meio de transmissão do vírus”, justifica Marcelo Gerard.
RECOMENDAÇÕES
Outros procedimentos de eliminação de riscos nos locais de votação serão adotados, tais como a higienização, utilização de material de proteção e o distanciamento nas filas. “Outras medidas ainda estão sendo analisadas, como a possibilidade de ampliação do horário de votação para diminuir as filas, mesmo sabendo que a votação numa eleição municipal é bem mais rápida do que nas eleições gerais”, pondera.
A ideia, segundo o coordenador de Planejamento do TRE, é a de que só será realizada a eleição se for segura para eleitores e colaboradores. “Dessa forma, a Justiça Eleitoral está monitorando a situação para que isso seja garantido a todos”, diz ele.
A recomendação do órgão para os eleitores em uma eleição tão atípica é de compareçam para votar e retornem para suas casas, para acompanharem a contabilização dos votos. É recomendável também que os eleitores levem a caneta para assinar o caderno de votação. “Mas, para os que não puderem, haverá uma caneta para o eleitor na seção que será higienizada a cada uso”, afirma.
PARTIDOS
O professor doutor Allan Veiga acredita que, nesse contexto de pandemia, cada agente e/ou grupo político envolvido na política partidária terá uma posição sobre um certo algo de “positivo” neste adiamento, diretamente relacionada com suas avaliações de possíveis perdas e/ou eventuais ganhos políticos. E ele tem razão.
Sérgio Reis, presidente estadual do partido, diz que o MDB tem um posicionamento muito claro de ter cautela com qualquer decisão tomada para manter ou adiar situações nesse período de pandemia e que todas as posições e definições só são postas à mesa quando há a garantia científica, concordância dos órgãos de saúde e o consenso das outras alas partidárias.
Segundo ele, foi dessa forma que o MDB tratou a questão das eleições municipais esse ano. “Aqui, em Sergipe, tivemos sempre um bom alinhamento com o diretório nacional e, mesmo o MDB sendo o partido com mais Prefeituras no Brasil, deixou suas bancadas livres para votar sim ou não pelo adiamento do pleito”, lembra Sérgio.
PROTOCOLOS
Agora, segundo o dirigente, o que importa é discutir os protocolos anti-Covid para daqui a três meses, quando ele vê, prognosticamente, um cenário muito, mas muito menos desfavorável do que o de hoje. “O prognóstico dos especialistas é de que as circunstâncias não sejam as mesmas de hoje, tendendo a uma situação bem mais segura do que a que vemos atualmente na flexibilização e retomada de alguns setores”, argumenta.
Além disso, Sérgio destaca que está se fortalecendo a ideia de campanhas eleitorais digitais, com foco nas novas tecnologias, explorando o contato com as pessoas através das redes sociais, o que deixa o partido mais tranquilo. “Vemos que é possível tirarmos mais fatores positivos de um pleito construído de forma virtual do que tratando ele com procrastinação”, opina.
Questionado sobre como o partido está se preparando para o pleito, ele resume com um “ouvindo”: “ouvindo a juventude, ouvindo os profissionais de saúde, ouvindo as famílias que viveram ou estão vivendo dias terríveis por conta da Covid. E, a partir disso, construindo projetos que visam atender à população num futuro próximo, porém bem diferente do que estávamos supondo no início deste ano”, admite.
CAMPANHA
Ou seja, para Sérgio, a preparação passa por essas questões, de entender as mudanças, as transformações que a pandemia exige e a pós-pandemia vai exigir. “É nisso que o MDB tem se consolidado, como um bom ouvinte e um bom construtor. E, sim, o MDB está muito atento e preparado para ser a melhor legenda no quesito tecnologia”, garante.
Mas ele reconhece que ninguém contava que haveria uma campanha eleitoral nesses moldes. “Mas teremos, então temos que nos adaptar e acima de tudo respeitar às recomendações das autoridades sanitárias. Agora é claro que fico triste porque sei da necessidade de um contato mais próximo com as pessoas, da confiança que elas criam ao ver como se comportam no corpo a corpo os candidatos”, admite.
Tem também o fato de grande parte da população brasileira não ter acesso à internet para acompanhar as campanhas de forma digital. “Isso precisa ser levado muito a sério e precisa ser tratado de forma mais objetiva. As pessoas que não têm acesso à tecnologia, internet, não têm redes sociais ou até mesmo não usam o meio digital não vão poder acompanhar as campanhas virtuais”, lamenta.
PREVISÕES
Para Sérgio, é muito complicado fazer previsão política ou cantar a pedra de uma crise democrática por dado fator ou não. Ele diz que isso chega a ser irresponsável. “Mas as incertezas que a pandemia trouxe não poderiam ser estendidas e intensificadas com um debate interminável sobre quando teríamos eleição no Brasil. Esse tipo de ansiedade, de incerteza, gera crises políticas que geram crises humanitárias que geram ainda mais sofrimento para um povo que já está sofrendo a perda de 100 mil brasileiros numa guerra biológica contra um inimigo invisível”, pondera.
Do mesmo modo, o senador Alessandro Vieira, presidente do Cidadania 23, entende que a manutenção é necessária para manter a alternância democrática. “Não é admissível prolongar mandatos sem o voto popular”, diz Alessandro Vieira. Ele admite que será uma eleição diferente, com uma busca de meios alternativos para dialogar com o eleitorado e que, dentro desse contexto, todos os partidos terão dificuldades.
Ciente disso, o partido está se preparando para uma eleição tão atípica. “Orientando nossos pré-candidatos a buscar o contato com os eleitores pelo meio digital, ao mesmo tempo em que tentamos planejar bem as atividades de rua para reduzir riscos e obter os melhores resultados”, revela. Para Vieira, em um processo eleitoral sem grandes eventos, sem aglomerações e, portanto, sem contato direto com o povo, o horário eleitoral de TV e rádio terá peso relevante, junto às redes sociais. “Mas em algum momento o contato direto deverá ocorrer, com os cuidados necessários”, ressalta Alessandro.
COMPORTAMENTO
Antônio Carlos Valadares Filho, mais conhecido como Valadares Filho, preside o PSB em Sergipe. Para ele, a pandemia tem mudado o comportamento das pessoas, e a tendência é de que isso permaneça até que se tenha uma vacina. Entretanto, Valadares Filho diz estar acompanhando, com muita esperança, a queda da propagação do vírus na maioria dos Estados brasileiros, inclusive em Sergipe.
“Apesar de ainda muito preocupante, já temos uma luz no fim do túnel de que a partir de outubro e, especificamente na eleição, em novembro, tenhamos um maior recuo dos casos e, assim, um risco menor”, argumenta o dirigente. Ele diz que o PSB é um partido que tem em sua essência a democracia e, por isso, defende que o respeito às regras democráticas seja cumprido, principalmente quando se trata do momento mais expressivo dessa democracia, que é o processo eleitoral.
“Naturalmente que muita coisa mudará nas eleições desse ano e o PSB está se preparando para enfrentar os novos obstáculos, com a coerência que sempre tem demonstrado”, assegura. Essa preparação, segundo Valadares Filho, se dá no sentido de realizar uma campanha segura, evitando todo tipo de aglomeração e reuniões com muitas pessoas.
ORIENTAÇÕES
“Temos orientado os nossos candidatos a respeitar as medidas sanitárias, contribuindo assim com a não propagação do coronavirus”, ressalta. Valadares reforça que tudo é muito novo e que não se sabemos ainda como estará a pandemia em meados de outubro e em novembro, meses que efetivamente os partidos estarão em campanha oficial.
Segundo ele, apesar disso, a expectativa é de se ter uma campanha muito intensa de redes sociais e o corpo a corpo de forma muito individual. “Será algo muito novo e estranho para todos, porém, a saúde da nossa população vale mais”, garante. De acordo com ele, os candidatos saberão se readaptar e encontrar outras forma de aproximação com o eleitor, a exemplo da gravação de vídeos, de lives e através de outros recursos da tecnologia.
Tudo isso para não prejudicar o processo democrático. “Sem dúvida que as eleições, como momento maior da democracia, não poderiam deixar de ocorrer em 2020, pois causaria um grande dano ao sistema público nos municípios brasileiros. Portanto, os partidos foram muito sensíveis a esse ponto e adiaram para a data mais próxima do final do ano, tendo o segundo turno no final de novembro e, assim, mesmo com dificuldade, correr todos os prazos para que no dia primeiro de janeiro possa ser dado posse aos mais de 5.000 novos prefeitos e aos milhares de vereadores espalhados pelo Brasil”, avalia.
PREOCUPAÇÃO
O deputado estadual João Daniel, presidente do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores - PT -, vê a manutenção com bastante preocupação. “Nunca tivemos um período tão difícil como este, principalmente por uma falta de política nacional, por um governo irresponsável, que não tem compromisso com a vida e a saúde pública”, crítica.
Ele diz que o Partido dos Trabalhadores nasceu da luta em defesa da democracia, contra a ditadura militar, que vê nas eleições um espaço democrático, onde a população tem o direito de escolher seus representantes. “Por isso, é fundamental a participação da população, o bom debate, a apresentação e discussão das boas propostas”, ressalta.
Para isso, o partido tem apresentado candidatos, propostas e projetos em todos os municípios possíveis, realizando plenárias, debates e encontros municipais virtualmente e trabalhando para que o partido esteja cada vez mais forte e preparado.
RETOMADA
“Nós acreditamos no povo brasileiro e na retomada de um projeto popular para o país, para 2022 e uma candidatura do nosso partido. E em 2020 precisamos eleger o maior número possível de vereadores e vereadoras, prefeitos e vice-prefeitos e vice-prefeitas em todos os municípios”, reforça.
Acostumado a uma campanha corpo a corpo, João Daniel diz que se trata de uma situação nova e bastante difícil. “Esta é uma dificuldade que estamos vivendo e vamos enfrentar. Mas buscaremos formas de fazê-lo, cuidando da saúde e da vida e ao mesmo tempo debatendo e discutindo com a população”, assegura.
Para ele, é preciso compreender que as últimas eleições presidenciais elegeram uma mentira, “uma fake news que foi parte do judiciário, com a grande mídia e elite que fez um grande golpe no Brasil”. “Nós e nosso partido não abriremos mão de nos defender, até as últimas consequências, de tudo que aconteceu no Brasil. Por isso, é fundamental que tenhamos as eleições, que elas sejam realizadas”, justifica.
QUADROS
O presidente diz que o partido ainda está em construção dos quadros que disputarão, mas que já tem hoje em torno de 30 pré-candidatos a prefeitos e prefeitas. “Temos um grupo grande de pré-candidatos a vice e chapas de vereadores em mais de 50 municípios sergipanos”, resume.
Já o PSDB, de Eduardo Amorim, já está em campo. Mesmo com as limitações impostas pela pandemia, os pré-candidatos da sigla já foram aos estúdios, já têm fotos de campanha e material de divulgação. Isso, para Eduardo Amorim, prova que é possível realizar as eleições com cuidado e segurança.
“O bom é que não tivéssemos vivendo nada disso. Mas, utilizando uma frase antiga de um filosofo canadense que diz que o mundo, com o advento dos meios de comunicação, se tornou uma aldeia global, eu digo que hoje somos aldeia digital, e é assim que vamos levar as ideias, as propostas, e o partido está preparado para isso”, assegura Amorim.
Apesar disso, o presidente do PSDB, que também é médico, conhece bem a realidade da doença e diz que é preciso obedecer tudo aquilo que os órgãos de saúde recomendam, como o distanciamento social e outras medidas de higiene. “Vamos ter uma eleição mais curta, de apenas dois candidatos, isso facilita. Mas, chegando mais próximo, poderá ser feita uma avaliação e se o momento continuar crítico em muitos lugares, será preciso ver a possibilidade de postergar o máximo possível”, diz Amorim.