De acordo com relatório da ONG Human Rights Watch, divulgado nesta terça-feira (13), venezuelanos que retornam ao país devido a dificuldades provocadas pela pandemia de Covid-19 estão sofrendo abusos.
Ao cruzar a fronteira de volta à Venezuela, muitos são obrigados a cumprir quarentena em acampamentos do governo, controlados pelo Exército, em estados fronteiriços, principalmente em Táchira, Apure e Zulia.
Nesse locais, mais de 130 mil venezuelanos enfrentam falta de comida, remédios e água e ficam confinados em situação de aglomeração e por mais tempo que os 14 dias indicados pela OMS.
"Encontramos principalmente dois problemas. O primeiro são os poucos testes [de detecção da Covid-19]. Quando fazem, utilizam o mais precário, o teste rápido, que detecta mal a doença. Ou seja, essas pessoas são colocadas em contato com outras quando ainda podem estar na fase de contágio", diz à reportagem Tamara Taraciuk, sub-diretora de Américas da Human Rights Watch.
"O segundo problema é o fato de essas pessoas serem muito mal tratadas pelas forças de segurança que vigiam os acampamentos. Eles são atacados verbal e fisicamente. São chamados de traidores, porque decidiram deixar o país, e agora, ao voltar, são os que trazem o vírus. É o discurso de Nicolás Maduro."
A pesquisa foi realizada pela ONG de defesa de direitos humanos entre junho e setembro de 2020 com base em 76 entrevistas –23 das quais com pessoas que retornaram ao país a partir de Colômbia, Brasil Peru, Equador e EUA. Também foram coletadas reportagens da imprensa independente local e depoimentos de ONGs venezuelanas e habitantes de cidades próximas aos acampamentos.
O levantamento ainda teve a colaboração da universidade americana Johns Hopkins, que analisou as entrevistas e dados oficiais do Ministério da Saúde sobre a pandemia de coronavírus no país.
Na maioria das vezes, os venezuelanos querem retornar ao país devido a dificuldades econômicas. Como muitos não têm documentos ou estavam em situação migratória provisória, tiveram pouco ou nenhum acesso a auxílios dos governos que os receberam. Muitos também deixaram de trabalhar por serem, em sua maioria, informais e, portanto, afetados pelas medidas de quarentena. Assim, a situação os levou a voltar à Venezuela, embora a crise humanitária no país ainda seja grave.
Em entrevistas realizadas com pessoas que passaram por esses acampamentos, a Human Right Watch recolheu relatos de detenção por tempo indeterminado, alojamento precário e tratamento hostil. Diversos venezuelanos relataram falta de material para higiene, como sabão e água limpa.
"Enviar os retornados a esses centros de quarentena insalubres e superlotados, em que é impossível cumprir as medidas de distanciamento social, é uma fórmula perfeita para propagar ainda mais o vírus", diz a médica Kathleen Page, da equipe da Johns Hopkins.
Além do diagnóstico da situação, o relatório inclui apelos aos ministros das Relações Exteriores da região que vão se encontrar no dia 19 de outubro, no Processo de Quito, uma comissão criada para discutir o problema do êxodo venezuelano. "Esperamos que os representantes dos países demonstrem o compromisso de proteger os direitos dos venezuelanos em seu próprio território", diz o documento.
"Os países da região devem exigir que as autoridades venezuelanas deixem de utilizar esse tipo de acampamento e opte por quarentenas domiciliares ou outras alternativas mais seguras."
Além dos acampamentos, a ONG encontrou falhas no sistema para quarentena implementado em hotéis de cidades venezuelanas. Foi registrado, por exemplo, que, em alguns locais em Caracas, havia hóspedes comuns misturados a venezuelanos que retornaram ao país, e funcionários não usavam máscaras.
Os números oficiais da pandemia na Venezuela, apresentados pela ditadura de Maduro, são contestados por grupos de médicos independentes locais. Segundo dados compilados pela Johns Hopkins, a partir das cifras do regime, há até agora 83.137 casos confirmados e 697 mortes.
De acordo com especialistas, o fato de o país caribenho estar mais isolado do resto do mundo devido à crise pode explicar, ao menos em parte, os números mais baixos, mas eles não descartam maquiagem das cifras pelo governo.