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quinta-feira, 1 de maio de 2025
Sergipe

ZÉ DE DOME: UM ESTANCIANO FILHO DA LAVADEIRA E TECELÃ DONA DOMITILLA

Publicada em 08/04/25 às 11:55h - 61 visualizações

TRIBUNA CULTURAL


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ZÉ DE DOME: UM ESTANCIANO FILHO DA LAVADEIRA E TECELÃ DONA DOMITILLA
 (Foto: TRIBUNA CULTURAL)

José Antônio dos Santos, ou simplesmente Zé de Dome, filho da lavadeira de roupas e operária têxtil Dona Domitilla Pastora dos Santos e de Seu Fortunato José dos Santos foi um dos maiores artistas plásticos do Brasil.

Ele carregou na bagagem o fato de ter feito exposições em diversas cidades do Brasil e também no exterior, como Peru, México, Estados Unidos, Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Nigéria etc.

Zé de Dome sonhou e tentou ser ator, vocação que despertou desde a adolescência, quando participou de grupos teatrais amadores em Estância, mas terminou desistindo por falta de oportunidades.

Com a morte de Dona Domitilla, ele foi tentar a vida em Salvador e por lá fez um pouco de tudo, trabalhou como tecelão, entregador de pão, vigilante noturno, servente de pedreiro, ajudante de marcenaria etc.

Mas a sua veia artística pulsava fortemente e a partir de um livro sobre técnicas de pintura que ganhou, passou a levar as artes plásticas a sério, e o encontro com grandes nomes da área foi inevitável.

Ele se aproximou de Carybé, um artista plástico versátil com reconhecimento internacional, conheceu também Mirabeau, Mário Cravo e o sergipano-baiano Jenner Augusto, além do escritor Jorge Amado, dos cantores e compositores já consagrados naquela época, Dorival Caymmi, Gilberto Gil, Caetano Veloso e tantos outros.

Todos eles: Carybé, Mário Cravo, Mirabeau, Jenner Augusto, Zé de Dome etc. gravitavam na órbita de Jorge Amado.

Um parêntese sobre Jenner Augusto: ele nasceu em Aracaju em 1924 e morreu em 2003 em Salvador. Antes de passar a viver definitivamente na capital baiana ele morou em Aracaju, Rosário do Catete, São Cristóvão, Itabaianinha, Lagarto e Laranjeiras, essa última era a cidade do também artista plástico Horácio Hora, formado na Escola de Belas Artes de Paris com bolsa do governo de Sergipe. Jenner reconheceu que a arte de Horácio Hora o influenciou.

A primeira exposição de Dome  aconteceu no espaço Belvedere em Salvador na Praça da Sé, no ano de 1955.

Percebendo que tinha fôlego para voar mais alto em 1962 mudou-se para o Rio de janeiro e de início morou no Leblon, em um apartamento cedido pelo amigo Jorge Amado, que já havia lhe ajudado em Salvador.

Dizem que, além de confiar no próprio talento, o estímulo para deixar Salvador e ir para o Rio de Janeiro, foi uma encomenda de duas telas feita por Carlos Lacerda governador da Guanabara (antigo nome do estado do Rio de janeiro).

Abro mais um parêntese pra lembrar que Carlos Lacerda atuou fortemente para derrubar o presidente Getúlio Vargas. Ele fazia do Jornal Tribuna da Imprensa (de sua propriedade), uma arma para detonar os adversários. Hoje é a mesma coisa, rádio, jornal e TV na mão de políticos funcionam como palanque eleitoral em tempo integral. Lacerda cristalizava o ideário da direita reacionária.

Já morando no Rio de janeiro Zé de Dome fez uma exposição em Estância patrocinada pela prefeitura, que tinha como alcaide Manuel Paschoal Nabuco d`Ávila, que em 1964 com o golpe militar foi cassado e preso.

Pra não perder a oportunidade destaco que Paschoal era professor e foi um dos prefeitos mais jovens da história do município (22 anos). Mais tarde ele se tornaria promotor de justiça, juiz e presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe.

O Rio terminou sendo a sua última morada depois que o ex-servente de pedreiro mudou-se para Cabo Frio e resolveu fixar residência lá, onde faleceu em 1982, e hoje dá nome a um museu.

A cidade de Aracaju batizou uma galeria de artes localizada na Farolândia, também com o nome do artista plástico sergipano, baiano, carioca, nigeriano...

Em Estância, a sua terra natal ele continua desconhecido para a maioria da população, e se não me falha a memória uma escola municipal na zona rural que recebia o seu nome foi desativada.

A desinformação coletiva tem seus motivos e um dos muitos é a o fato de a cidade berço da cultura sergipana dar-se ao luxo de ter um quadro intelectual como o poeta Miguel Viana longe da Secretaria da Cultura do município.

Miguel fez o caminho inverso da maioria dos seus colegas que saíram ainda jovens de Estância para estudar na UFS.

A quase totalidade ficou por lá, e Miguel regressou para a velha Estância cansada de guerra, onde reside até hoje, inclusive ele é o único da família que mora na cidade.

Várias vezes Marcelo Déda declarou que aprendeu a gostar de música “boa” com Miguelzinho (ara assim que Déda o chamava).

 Os dois foram contemporâneos na luta estudantil universitária.

Miguel marcou como secretário na década de 80 ao coordenar o inesquecível encontro cultural da cidade, nele predominou a pluralidade que abriu espaço para o popular e também para o erudito.

O público escolhia se queria assistir uma sinfônica tocar música barroca em local ambientado (igreja do Amparo), ou se preferia os bacamarteiros, reisado, batucada junina etc. na Praça Barão do Rio Branco.

Eu desconheço alguém que ao longo de sua vida tenha se dedicado a pesquisar tudo que diz respeito a Estância mais do que o velho poeta Miguel Viana.

Ele tem arquivado em escritos e na memória sergipanos e principalmente estancianos que estão espalhados pelo mundo fazendo arte e cultura.

Foi ele quem me falou pela primeira vez sobre Raimundo Souza Dantas, primeiro embaixador negro do Brasil, durante o governo de Jânio Quadros.

Eu passei a pesquisar sobre a vida e obra da escritora Alina Paim e o poeta Constantino Gomes de Souza por sugestão dele.

Tomar uma cerveja com os poetas Miguel Viana e Hilton Tarquínio tem sido uma das minhas alegrias quando estou de folga das atividades de professor e sindicalista. A literatura e a música terminam cruzando com a política nesses encontros.

Com tanta gente reacionária que saiu do armário a partir da vitória de Bolsonaro, encontros como os nossos não cabem mais em espaços públicos. Corremos o risco de sermos agredidos por falar de cultura, que para muitos é um palavrão.

Voltando a Zé de Dome nesse mosaico de informações destaco que na Nigéria ele participou de um festival de cultura negra com outros brasileiros, como a atriz Zezé Mota e o cantor e compositor Gilberto Gil.

 Como prova da sua relação muito próxima com os amigos baianos uma de suas últimas exposições aconteceu em Portugal com o aval de Jorge Amado e Carybé.

Anda e vira Zé de Dome aparecia em Estância durante os festejos juninos ou nos finais de anos quando a cidade estava movimentada. Festa natalina e de entrada de ano no interior é outra história que só a antropologia cultural é capaz de traduzir.

E os festejos juninos em Estância com os seus busca-pés; espadas; barco de fogo; pitus; ornamentações; quadrilhas; batucadas; culinária; shows; dispensa comentários.

Dome era muito amigo de um senhor aposentado dos Correios em Estância, Valdomiro Duran, a quem presenteou com algumas telas. Eu acredito que a família de Seu Miro Duran, como era conhecido, (já falecido) deve ter conservado os quadros.

No ano passado encontrei na petiscaria “No Trabalho” em Estância com duas conterrâneas, Marízia Penalva, filha do ex-prefeito de Estância Valter Cardozo Costa, e Poliana, essa segunda trabalha em Aracaju com taxi (UBER, e na conversa entrou no debate cultural, foi então que Poliana mostrou fotos da família de Zé de Dome que hoje mora na capital. Ela havia transportado parentes do artista plástico e descobriu por acaso.

Como já dissera antes, eu estudei em uma escola municipal colada a casa de Zé de Dome, quando ele já era famoso e resolveu voltar a cidade natal, onde demorou pouco.

 Acredito que não só pela falta de mercado, mas também por conta da visão provinciana da maioria da população que discriminava a sua orientação sexual. Lembro-me que quando o filho de Dona Domitilla aparecia na cidade virava notícia.

Vejam só as coincidências, a casa que Zé de Dome Comprou em Estância, antes morou nela a família Soares, Dona Lurdes e Seu Adelaido, velho comunista, figura humana extraordinária (perseguido pela ditadura) pai da ex-vereadora por Aracaju e Deputada Federal Tânia Soares e do artista Luiz Adelmo.

Eu tive o prazer de conhecer Dona Lurdes e Seu Adelaido porque fui colega no curso primário, de Tânia e de seus irmãos gêmeos, Adeladio e Abelardo, e frenquentava a casa dos Soares.

O meu retrovisor continua mirando essa gente sergipana que tanto contribuiu com a nossa cultura.

Os governos podem até derrubar os monumentos, destruir placas, prédios públicos que homenageavam personagens da nossa história como Zé de Dome, mas eles viverão para sempre se cada um de nós garantirmos um lugar para eles em nossas memórias.

Em tempo: as novas gerações talvez não saibam o significado de “lavadeira” a que me referi ao indicar uma das atividades de trabalho de Dona Domitilla na primeira metade do século XX.

Naquele período era comum as mulheres lavarem roupas “prá fora” nos Rios Piauí e Piauitinga, e cobravam por peças.

Essa atividade deu sustento a muitas mulheres pobres durante séculos, até o advento da água encanada nas residências e posteriormente a máquina de lavar.

Há um trabalho de pesquisa realizado pela Professora Andreia Cardoso (Estância) sobre as Lavadeiras do Piauitinga.

Nele ela registra as músicas cantadas pelas lavadeiras como também cada fase da lavação (ensaboamento, quaração, aromatização e secagem). As roupas eram aromatizadas com ervas colhidas nas margens dos rios.

Muitos artistas retrataram essa atividade quase extinta nos centros urbanos, através de suas telas com mulheres carregando trouxas de roupas na cabeça.

O cara era tão grande que não cabe num texto simplório como esse. Não coloquei tudo, por exemplo, que ele pintava ouvindo Mozart e Chopin.

Salve Zé de Dome!!


Por Professor Dudu - 2020




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