Mas a surpresa da época estava por vir. No entardecer daquele primeiro dia de carnaval, eis que surge o chamado “Carro Chefe”, “primoroso objeto de arte”. O carro trazia um grupo de belas jovens estancianas à sua frente, que por isso foram denominadas “as tentadoras figuras femininas”. Do alto do veículo, em seu trono, dominando a multidão, a “deusa do carro”. Ali, naquela posição, uma bela jovem se encontrava impecável. De sobriedade e de beleza. Em torno do seu cortejo, chegava “Os Caboclinhos”, dando “uma nota chic” ao cortejo.
Diante daquela agitação, ainda se registrou uma homenagem feita pelo grupo “Os Perequitinhos Verdes” a um dos jornais da cidade. Os Perequitinhos Verdes foi um bloco de garotos que tinha sido formado na então Rua dos Ferreiros.
Estância estava bastante motivada e contagiante. Nos meados do ano anterior (em 1938), havia chamado a atenção do estado quando a Sociedade Literária Monsenhor Silveira lançou o “Jornal Falado”. Uma inovação por iniciativa de Jorge Amado. Poucos dias antes do carnaval, ainda com o apoio do romancista, fora lançado no cine-teatro São João “a super-revista carnavalesca” Papelaria Modelo, com repercussão na imprensa local e na imprensa da capital. O carnaval foi mais um ingrediente naquele caldeirão de eventos que aconteceram em 1939.
Sempre contando com um tema direcionado à crítica, seja no âmbito nacional, estadual ou local, o carnaval daquele ano levou às ruas alguns blocos com críticas irônicas, sendo o mais entusiástico o bloco “Tá Tudo Errado”. A alegria contagiante do carnaval até apresentou um casamento na avenida. Ainda houve tempo para desfilar no último dia de festa o “Enterro de Canaan”. O “fúnebre” cortejo foi acompanhado pelas chamadas “carpideiras”, que, aos soluços, seguiam o “morto” embalsamado.
A festa chegaria ao seu ápice. Na terça-feira, blocos e cordões dos primeiros dias se juntariam, e Estância se transformaria numa “babilônia carnavalesca”. Jorge Amado, então com 26 anos, famoso, já havendo lançado seis livros: O País do Carnaval, Cacau, Suor, Jubiabá, Mar Morto, Capitães da Areia, ajudava a deixar o carnaval da Cidade Jardim ainda mais frenético. Ele não foi somente um dos brincantes da folia, mas também um dos que participaram ativamente da produção. Tanto é verdade que levou pra avenida um bloco. O bloco recebeu o nome de “País do Carnaval”, título do seu primeiro livro.
O tema musical foi a marchinha “Casta Suzana”, que seguiu cantada nas ruas pelo povo estanciano. Lançada um mês antes da folia, a música tem como compositores Ary Barroso e Alcyr Pires Vermelho e foi mais uma que estourou no País.
Assim, com toda força de sua tradição na cidade, os festejos carnavalescos seguiram madrugada adentro. Na Vila Operária. Na Biblioteca Monsenhor Silveira. Nos botecos. Na Rua da Baixa. Nas ruas afora.
Acrísio Gonçalves de Oliveira (*)
(*) Pesquisador, professor do Estado e da Rede Pública de Estância