[*] Sandro Andrade
A herança da colonização portuguesa e o encarecimento das campanhas eleitorais tem feito crescer a influência do parentesco na política nacional. É o que informa o levantamento da Revista Congresso em Foco: seis em cada dez parlamentares possuem parentes na política. Um verdadeiro negócio em família, cujo ciclo vicioso deixa pouco espaço para a verdadeira renovação de nomes e ideias.
São famílias que ocupam, simultaneamente, mais de uma cadeira na Câmara e no Senado. Entre essas famílias, estão os Valadares, oligarquias que, com proeza, conseguiram que seus líderes se tornassem verdadeiras grifes políticas locais.
Os Valadares são a prova viva do caciquismo dinástico nos Estados de Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe. Três diferentes famílias de origem portuguesa, com o mesmo sobrenome e sem nenhum vínculo de parentesco. Porém, com um timbre em comum: o exercício da perpetuação no poder.
É fato que, na democracia, a administração pública está aberta a qualquer eleitor apto e maior de idade, pois os cargos são preenchidos através das eleições. Porém, na realidade, sabemos que não funciona exatamente assim. O que acontece é uma seleção baseada na força do dinheiro, na tradição e no uso do parentesco para a reprodução social.
OS VALADARES DE MINAS GERAIS
A mais antiga destas três oligarquias teve início no século XIX, quando o Capitão de Ordenanças José Fernandes, natural de Valadares, cidade da freguesia portuguesa de São Cristóvão de Lafões, chegou às terras brasileiras. Para livrar-se de homônimos, ele acrescentou o nome de sua terra natal a seu sobrenome.
Seu filho, Joaquim Cordeiro Valadares, casou-se com Antônia Jacinta de Oliveira Campos, filha da rica fazendeira Dona Joaquina de Pompéu (1752-1824), a “Sinhá Braba”, que por anos sustentou a capital do Reino, o Rio de Janeiro, com mantimentos oriundos de suas terras. Amiga íntima e fiel da Casa Real, seus netos foram presenteados com a direção política da Província de Minas Gerais.
Seus descendentes foram e são notórios homens públicos nas terras mineiras. Dois deles, por agirem nacionalmente, se destacaram mais. Um é Benedito Cordeiro de Campos Valadares (1853-1942), afamado jurista e deputado provincial e federal por várias legislaturas.
O outro é seu sobrinho, Benedito Valadares Ribeiro (1892-1973), que deu o renome que a família possui até hoje. Esse último foi odontólogo, advogado, jornalista e político habilidoso, o que lhe rendeu 42 anos de poder. Entre seus discípulos políticos estão Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves.
Em sua extensa vida pública, Benedito Valadares foi vereador, prefeito, deputado federal, governador e senador. Nesses anos, construiu simplória e folclórica imagem de si mesmo. Foi o precursor do marketing político, divulgando ou fazendo divulgar pequenas anedotas, onde sempre era o homem simples em situações constrangedoras. Estratégia essa que o mantinha no noticiário e ganhava a simpatia de quem tomava conhecimento da história.
Benedito Valadares é autor de frases cômicas. Entre elas, “Estou rouco de tanto ouvir!”. Também foi o responsável pela famosa indagação “Será o Benedito?”. Quando ainda anônimo deputado, foi escolhido por Getúlio Vargas para assumir o governo mineiro, onde ficou por 12 anos. É em sua homenagem que foi batizada a cidade de Governador Valadares.
OS VALADARES DE PERNAMBUCO
No Sertão do Pajeú, precisamente na cidade de São José do Egito, nasceu mais uma dinastia de políticos deste mesmo sobrenome. O seu poderio começou com o fazendeiro e comerciante Inácio Mariano Valadares (1896-1966), que se tornou respeitado chefe regional quando assumiu o poder municipal durante o Estado Novo.
Inácio soube transferir seu carisma eleitoral para os familiares, elegendo o seu irmão Manuel da Santa Cruz Valadares para deputado estadual. Em 1954, elegeu seu filho, Inácio Mariano Valadares Filho, de 21 anos, para o mesmo mandato, onde ficou por mais cinco legislaturas seguidas até ser cassado pelo AI-5.
A passagem de “Inacinho” pela Assembleia Legislativa pernambucana foi registrada pelo seu temperamento afável, bonachão e boêmio. Em São José do Egito, os Irmãos Valadares eram da UDN e mediam força política com o ex-aliado e chefe do PSD, Walfredo Paulino de Siqueira. Inácio Mariano Valadares Filho faleceu em fevereiro de 2011 aos 79 anos. Continuam na vida pública o seu irmão Antônio Valadares e seu sobrinho Evandro Valadares.
OS VALADARES DE SERGIPE
A última destas oligarquias teve origem na cidade de Simão Dias que, por anos, foi governada pelos Valadares. O clã teve início com o patriarca da família, o industrial Pedro Almeida Valadares (1911-1965), que foi vereador e prefeito do município.
De sua prole, saíram e ainda hoje existem políticos em atividade. Seus filhos, José Matos Valadares e Antônio Carlos Valadares também foram chefes do Executivo municipal. Este último, foi deputado estadual, federal, vice-governador, governador e hoje está em seu terceiro mandato consecutivo como senador por Sergipe. Valadares começou a vida pública aos 22 anos.
Em 1988, Dona Caçula Valadares, matriarca da família, também foi eleita prefeita. Pedro Almeida Valadares Neto (1965-2014) foi deputado federal por três legislaturas. Ele faleceu no mesmo acidente que vitimou Eduardo Campos. A família comanda o PSB sergipano e tem o jovem Antônio Carlos Valadares Filho como deputado federal em seu terceiro mandato e acumulando duas derrotas consecutivas em disputas pela Prefeitura de Aracaju.
A história mostra na teia genealógica que vai se urdindo em volta dos cargos públicos que, em determinados momentos, surgem situações de riso. Em 1995, o então prefeito de Simão Dias, Manoel Ferreira de Matos, teve o mandato cassado por irregularidades anteriores a eleição.
Quem assumiu a Prefeitura foi sua consogra e adversária, Maria Valadares de Andrade, a “Edna”. Ela era presidente da Câmara Municipal e mãe de Fábia Valadares de Andrade Matos, uma das noras do ex-prefeito.
Pessoas próximas contam que, na ocasião, o neto de ambos, Marco Aurélio Matos Filho, ainda criança de colo, comentou a situação política dos familiares paternos e maternos: “Saiu vovô e entrou vovó!”, disse o menino com a sabedoria de um Tancredi – sobrinho do Príncipe Salinas, protagonista do romance “O Leopardo”.
CONCLUSÃO
A árvore genealógica política é mais enraizada no Nordeste, mas tem ramificações frondosas por todos os Estados. São essas pequenas histórias dos Valadares, três distintas famílias de mesmo sobrenome, que ilustram como é exercido o poder político no Brasil.
As relações que se estabelecem entre o povo e sua elite dirigente, cuja sucessão é a mesma dos consumidores de um bom whisky: de pai para filho. Elas revelam estratégias de manutenção do status quo que, no caso dos Valadares, tem a perpetuação de parentes no poder como seu principal foco na vida política.
[*] É sergipano e estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto - Ufop -, em Minas Gerais.
JL Política