O industrial Orlando Mendonça, 75 anos, é um
cidadão discreto e arredio a tudo que seja ostentação para as ações que
desempenha na vida particular e pública.
Mas ele é do tipo que brilha os olhos e se agiganta quando o
assunto são o carinho, o cuidado, a atenção e a dedicação aos idosos do Asilo
Rio Branco, entidade que preside desde que tinha 45 anos - há 30, portanto.
Seu Orlando Mendonça, que já foi um dia
representante comercial da área de alimentação e hoje fabrica biscoitos e
bolachas com a sua conhecida Fabise, é um sujeito tão discreto que esta é, em
30 anos, a primeira vez que ele senta com um jornalista para uma entrevista de
fôlego.
Para falar do que faz e de como faz em favor do Asilo Rio
Branco, dos seus internos e da gestão dessa entidade filantrópica que está
completando 111 anos neste 2022.
Mais do que isso: para falar do prazer e da alegria com que
se dedica a essa causa. E atenção: 100% como um filantropo. Ou seja, com
remuneração zero.
Essa concessão na fala de Orlando Mendonça parece
coisa de empatia, pois ele não encrespou. Não dificultou em nada a interlocução
para a produção e a feitura desta Entrevista.
Apenas pediu para que o foco não fosse a sua vida pessoal e
que tudo se prendesse exatamente ao institucional da ação que ele toca com o pé
numa imensa confiabilidade da gente e das instituições sergipanas.
E sobre isso, Orlando tem mesmo enorme
prazer. Encara as dificuldades da filantropia com naturalidade e visceralidade.
É capaz das maiores bravuras pelo Asilo Rio Branco.
Ali, ele companha tudo olho no olho. Não deixa faltar nada.
Se é feliz nessa missão? “Oxe: meu Deus do céu! Eu sou mais do que feliz.
Entendo e aprendi que isso aqui foi uma oportunidade que tive na minha vida”,
responde ele.
“Nunca pensei que eu ia chegar a esse ponto de encontrar
felicidade fazendo filantropia. Hoje compreendo que todo homem deveria ter essa
oportunidade de encontrar um ambiente para praticar filantropia”, diz.
Orlando Mendonça só não se sente calmo e nem
manso diante de gente que desrespeite seus próprios idosos, não os acolha e,
tendo condições materiais, mande-os para os asilos.
“Tem pessoas que vêm pedir e eu nego, com reprimenda: “Você tenha vergonha e vá
cuidar de seu pai, da sua mãe, porque ele cuidou de você muito tempo e você tem
condições. Contrate uma cuidadora e bote em casa”. Tem gente que sai daqui
chorando e a culpa certamente não é minha”, diz.
Esta Entrevista está cheia de boas humanidades. Pelo que
pensa, pelo que diz e sobretudo pela quebra de silêncio de Orlando
Mendonça.
Orlando Carvalho Mendonça nasceu em Maruim no
dia 5 de abril de 1947 e é filho de Dider Mendonça e de Valdice
do Prado Carvalho Mendonça.
Orlando Carvalho é casado com Tânia
Maria Machado Tojal Mendonça e é pai de Dider José Tojal
Mendonça, de Débora Cristina Tojal Mendonça, de Danielle
Cristina Tojal Mendonça e já é avô de seis netos - três casais gerados
por cada um dos filhos.
Ele tem ensino médio completo. “Não tem nada fácil, mas eu
gosto de ser industrial. Quando você se dedica e é zeloso, tudo vale e
funciona”, diz, diante da sua condição de produtor de alimentos e exportador
para meia banda do Nordeste – desde a Bahia ao Ceará.
QUEM PODE SER RECEBIDO NO RIO BRANCO?
“Pelo que manda o estatuto, é aquela pessoa desamparada de tudo. É aquele
que não tem ninguém para mantê-lo. Essa é a prioridade da instituição e nós
temos cumprido a risca”
JLPolítica - Qual é o perfil do idoso recepcionado hoje
pelo Asilo Rio Branco?
Orlando Carvalho Mendonça - Pelo que manda o estatuto, é aquela pessoa
desamparada de tudo. É aquele que não tem ninguém para mantê-lo. Essa é a
prioridade da instituição e nós temos cumprido a risca.
JLPolítica - Quantos são os hóspedes do Asilo Rio Branco
neste mês de julho de 2022?
OCM - Hoje eles estão em 42 e isso significa uns 80% lotação da
instituição, porque podemos ir até 60.
JLPolítica - De que vive instituição?
COM - A gente vive de doação. Não existe nenhuma verba específica para
manter isso aqui, de ninguém - nem o Estado, nem o Município e nem o Governo
Federal manda um centavo para cá. E, aliás, hoje também eu nem quero. Diria que
esse é um dinheiro muito complicado.
JLPolítica - Complicado como?
OCM - Complicado porque só vem através de político e a política dá com
uma mão e quer, por vezes, com a outra e isso não dá para a gente. A nossa
filosofia aqui é diferente. É uma instituição particular que hoje chamam de ONG
- Organização Não-Governamental. Antes era só uma instituição.
PERFIL DO COLABORADOR DO ASILO
“O perfil é o da pessoa bondosa - e ainda tem muita gente com esse traço. É
ser caritativa, é gostar do ser humano e preocupar-se com aqueles abandonados.
E tem um detalhe curioso nessa causa: você quando ajuda ao idoso não espera uma
retribuição”
JLPolítica - A pandemia atrapalhou ou ajudou à causa do
Rio Branco?
OCM - Atrapalhou, e muito. A pandemia afastou a sociedade daqui,
aqueles que nos visitavam, que nos davam cobertura material e espiritual, que é
a sociedade.
JLPolítica - Mas qual seria o perfil da pessoa
colaboradora de uma causa como a do Rio Branco?
OCM - O perfil é o da pessoa bondosa - e ainda tem muita gente com
esse traço. É ser caritativa, é gostar do ser humano e preocupar-se com aqueles
abandonados. E tem um detalhe curioso nessa causa: você quando ajuda ao idoso
não espera uma retribuição, um agradecimento dele futuramente, ao contrário da
criança. Cada um de nós conhece muita gente que ajuda criança na ideia de que
“quando ela crescer, pode até me recompensar, me ajudar e tal”. É um pensar no
futuro. Com o idoso não. Esse ser está aqui para concluir a vida. Então só
ajuda a essa causa aquele que realmente tem bom coração.
JLPolítica - O senhor diria que essa pessoa de bom
coração, o cristão que ajuda o idoso, estaria talvez, pensando nele no futuro,
no que vai ser?
OCM - É possível. O idoso pode ser para cada um de nós um espelho da
vida.
JLPolítica - Tem algum colaborador que, especialmente,
chama a atenção do senhor e da instituição?
OCM - Não, e se tiver eu não vou revelar. Sabe por que? Porque os que
fazem caridade, em grande maioria, não querem que sejam revelados. Não querem
aparecer. Lhe digo, por exemplo, que recebo doações aqui com a observação:
“Está aqui, mas, por favor, não quero recibo, não quero nada”. São pessoas que
não querem aparecer. A gente aqui da gestão também não gosta e priva por não
receber em espécie. A gente recebe sempre em favores, em alimentos e em outros
gestores humanitários.
DO SIGILO DE QUEM COLABORA
“Os que fazem caridade, em grande maioria, não querem que sejam revelados.
Não querem aparecer. Lhe digo, por exemplo, que recebo doações com a
observação: “Está aqui, mas, por favor, não quero recibo, não quero nada”
JLPolítica - Em doações financeiras, não?
OCM - Não. Nós pelo menos evitamos ao máximo isso. Eu nunca vi uma
campanha do Asilo Rio Branco pedindo dinheiro a ninguém.
JLPolítica - Por que o senhor não a faz?
OCM - Porque é complicado. Se entra o dinheiro, você tem que ter um
patrulhamento, além de quem está dando, do tipo qual a intenção, quem está
recebendo. Geralmente isso vem em gêneros alimentícios, material de
higienização. Aí eu quero fazer uma reforma, chamo um grupo de amigos e a gente
compra o material faz.
JLPolítica - Talvez a fiscalização financeira seja tão
incômoda que nem compensa, não é?
OCM - É exatamente isso. Preferimos só o lado filantrópico, e não deve
mexer com dinheiro. Para não complicar.
JLPolítica - Quantos servidores a instituição tem?
OCM - Hoje são trinta e dois.
DO PORQUÊ DE NÃO LIDAR COM DINHEIRO
“Porque é complicado. Se entra o dinheiro, você tem que ter um
patrulhamento, além de quem está dando, do tipo qual a intenção, quem está
recebendo. Geralmente isso vem em gêneros alimentícios, material de
higienização”
JLPolítica - De quanto é folha de pagamento?
OCM - Rapaz, não é simples: você tem aqui um regime de 24 horas, são
dois turnos. Eu não paro à noite, tenho não só a refeição das cinco horas da
tarde, mas tem o lanche das oito horas da noite, que tem dois para poderem
acompanhar, de quarto em quarto. Eles não param, e ainda tem vigilante. Mas
hoje a folha de mantimento, de pessoas, de tudo, beira os R$ 100 mil. O quanto
recebemos de doação dá para cobrir a folha de pagamento, que hoje é em torno de
R$ 45 mil. O resto, é como diz no popular: “nós se vira”.
JLPolítica - Seu Orlando, mas se uma pessoa física ou
jurídica quiser, por filantropia própria, colaborar com R$ 2 mil, R$ 3 por mês
com o Asilo Rio Branco, ela estaria impedida?
OCM - Não, em hipótese alguma.
JLPolítica - Mas o senhor diz que não faz campanha para
pedir...
OCM - Não faço. Quando é da necessidade maior, eu pessoalmente vou às
fontes. Não gosto é de varejo. Gosto de atacado: “Ó, fulano de tal, estamos
precisando aqui de uma cesta básica de uns R$ 3 mil, R$ 4 mil em alimento e
tal, e pronto”. Ainda essa semana fui pedir no GBarbosa: “Hei, estou precisando
de fraldas, veja aí umas 500 ou 600”.
JLPolítica - E o senhor é correspondido nos seus pedidos?
OCM - Na maioria das vezes, sim. Senão eu não mantinha isso aqui. Se
for olhar aqui, você vê essa mobília linda, não é, que nada combina com nada.
Por quê? Porque foi doação e eu recebo de braços abertos. Isso foi da minha
casa, aquilo do meu escritório todo (diz, em referência aos objetos da sala
que ele usa como escritório). Eu não tenho nenhum problema com isso.
Mas veja que não tem luxo nenhum. Só o básico. Tudo que dão aqui, eu aceito.
ARTE DE PEDIR CONFORME A NECESSIDADE
“Quando é da necessidade maior, eu pessoalmente vou às fontes. Não gosto é
de varejo. Gosto de atacado: “Ó, fulano de tal, estamos precisando aqui de uma
cesta básica de uns R$ 3 mil, R$ 4 mil em alimento e tal, e pronto”
JLPolítica - É satisfatório o grau de acompanhamento dos
idosos hospedados por parte dos seus parentes?
OCM - Eu prefiro dizer que é regular. Satisfatório, não, porque
imagine que se você coloca sua mãe aqui você não tem lá tanto amor por ela, e
fim de papo, não é? Vai depender de outras questões, porque não quero ofender
ninguém. Mas eu só colocaria minha mãe num asilo de idoso em última instância.
Tem pessoas que vêm pedir e eu nego, com reprimenda: “Você tenha vergonha e vá
cuidar de seu pai, da sua mãe, porque ele cuidou de você muito tempo e você tem
condições. Contrate uma cuidadora e bote em casa”. Tem gente que sai daqui
chorando e a culpa certamente não é minha.
JLPolítica - Tem gente de classe alta que procura os
préstimos do Asilo Rio Branco?
OCM - Sim, e como tem! Para mim, isso é o descarte de humano, não é?
JLPolítica - O senhor acha estranho que a pessoa descarte
um parente?
OCM - E como acho, de modo que se eu tivesse poderes, mandava
prender uma pessoa dessa na hora. Era para sair preso daqui.
JLPolítica - De quais camadas sociais vem a maior procura
por um espaço numa instituição como o Asilo Rio Branco?
OCM - Com essa minha maneira de administrar, praticamente deixo claro
aos amigos e à sociedade o seguinte: o Asilo Rio Branco é para indigente e tal.
Não adianta vir pra cá pedir se tem condições de cuidar. O Asilo não vai
aceitar, e ponto final.
QUEM TEM AMOR AOS PAIS EVITA O ASILO
“Imagine que se você coloca sua mãe aqui você não tem lá tanto amor por ela,
e fim de papo, não é? Vai depender de outras questões, porque não quero ofender
ninguém. Mas eu só colocaria minha mãe num asilo de idoso em última instância”
JLPolítica - Mas quais são mesmos os critérios reais e
finais para aceitar alguém aqui?
OCM - A prioridade é de ser uma pessoa abandonada, como lhe falei. Que
seja uma pessoa que não tenha ninguém para cuidar dela. Essa, sim, me
interessa. A mim não interessa se é você, se é um irmão meu ou o arcebispo que
está pedindo. Não quero saber. Quero é ver a pessoa. Venha aqui, eu vejo,
converso com ela, sinto a necessidade, o grau de enfermidade, de mobilidade,
etc, e então eu lhe faço a admissão.
JLPolítica - Tem alguma entidade médica que lhe dê
suporte aqui? Que faça consultas, que venha fazer visitas?
OCM - Entidade médica em si, não. Tenho um médico que é maçom, Augusto
Cesar Lira Machado. Esse é um abnegado, está aqui conosco há mais de 20 anos e
faz a filantropia dele. Gratuitamente, óbvio. É aquele médico que nos dá o
suporte de exame médico, e a gente vai vivendo.
JLPolítica - O senhor tem ideia do custo médio de uma pessoa
idosa a ser cuidada pelo asilo?
OCM - Hoje está bem próximo dos R$ 3 mil. Veja o que se tem aqui: a
pessoa vem e fica até o final da vida. Mora aqui. Aí você tem todo o ciclo - da
alimentação, da higienização, da cozinha, da lavanderia, do remédio. É tudo.
“TENHA VERGONHA E VÁ CUIDAR DE PAI E MÃE”
“Tem pessoas que vêm pedir e nego, com reprimenda: “Você tenha vergonha e vá
cuidar de seu pai, da sua mãe, porque ele cuidou de você muito tempo e você tem
condições. Contrate uma cuidadora e bote em casa”. Tem gente que sai daqui
chorando e a culpa certamente não é minha”
JLPolítica - Tem semi-internados por aqui?
OCM - Não. Só aceitamos internos. É para morar e viver aqui.
JLPolítica - Entre remédios e alimentação, quais as
despesas que mais pesam?
OCM - Hoje é a alimentação. Tudo bem que a gente recebe, exatamente
para isso, muita ajuda, e aí fica mais suave. Mas, em rigor, seria a
alimentação. A pessoa chega aqui andando, falando, e dentro de algum tempo vai
definhando, caindo, passa para o andajá, para a cadeira de roda, aí não se
levanta mais - aí são a alimentação, a higienização e os remédios que pesam.
Nos remédios sempre tem a colaboração do Posto Sinhazinha. Vamos lá, pedimos
uma coisa e outra.
JLPolítica - Há uma Associação Estadual Sergipana das
instituições cuidadoras de pessoas idosas?
OCM - Tem os conselhos - o estadual e o municipal.
JLPolítica - Essas instituições se fazem presentes aqui?
OCM - Não. Vêm fazer fiscalização e vão embora. Indicam erros ou
carências, e eu mando cuidar da vida deles, por que não sabem o que estão
fazendo.
O SUPORTE DO MÉDICO FILANTROPO
“Tenho um médico que é maçom, o César Vieira Machado. Esse é um abnegado,
está aqui conosco há mais de 20 anos e faz a filantropia dele. Gratuitamente,
óbvio. É aquele médico que nos dá o suporte”
JLPolítica - O senhor estima que sejam quantas as
instituições em Sergipe a cuidar das causas das pessoas idosas?
OCM - Não sei. Não me preocupo muito com os outros. Eu sei que tem o
Same, que tem instituição em São Cristóvão, tem em Itabaiana. Tem várias e a
mais antiga é o Asilo Rio Branco mesmo.
JLPolítica - O avanço do envelhecimento da população
brasileira deve gerar que tipo de preocupação nas instituições que cuidam de
idosos no Brasil?
OCM - É aquela história: tenho meus limites, não posso trabalhar com
mais do que 50 ou 60 deles, então se aumenta lá fora o número de idosos a gente
vai ficar sem condições de cuidar. Aí é a parte do governo. Por que de quem é a
obrigação de cuidar dos desassistidos? Da família. Quando a família falta, é de
quem? Do Estado. Quando o Estado não liga, vem nós a tomar conta.
JLPolítica - Qual o conceito que o senhor tem do papel do
Estado, no Brasil, com a pessoa idosa? O senhor acha que o Estado brasileiro se
preocupa com o idoso, com pessoas em fase de envelhecimento?
OCM - Veja: o Estado brasileiro diz que se preocupa. Sei
que ele edita muitas leis, cria muitos conselhos, mas não manda dinheiro, não
manda nada. Nem remédio. Então não adianta.
JLPolítica - O senhor quer dizer que, na prática, tem
pouca serventia a suposta preocupação dele?
OCM - Sim. Muito da política: “Eu faço, pinto, aconteço, eu vou
fazer”. Sim, mas não chega aqui. Aliás, em 1911, quando o Asilo Rio Branco foi
criado, não tinha Ministério Público, não tinha não sei o quê, e hoje tem tudo
lá. Eles se reúnem lá em Brasília e emitem suas cartilhas - recebi aqui um dia
desses uma cartilha sobre o idoso, sem nunca terem consultado uma das
instituições mais antigas do Brasil, que é o Asilo Rio Branco. Nunca vieram
aqui, nunca fizeram uma entrevista para saber o que é e o que não é o Asilo e
tal. Mas de lá, eles acham que sabem tudo. Leem alguma nomenclatura aí do
exterior, não sei o quê e tal, porque vou levar lá para o Brasil, e vendem aqui
com filosofias alemãs, americanas, querendo aplicar à vida brasileira e não
funciona. Aí fica nisso daí.
CUSTO MAIOR VEM DA ALIMENTAÇÃO
“Hoje é a alimentação. Tudo bem que a gente recebe, exatamente para isso,
muita ajuda, e aí fica mais suave. Mas, em rigor, seria a alimentação”
JLPolítica - Aos 75 anos, o senhor é um idoso lúcido e
ativo. Qual o seu conceito da cultura brasileira para com a pessoa idosa? O
senhor acha que o Brasil vê o idoso de que modo?
OCM - Isso você tem que dividir e segmentar para fazer a análise. Há
pouca preocupação. Quem mais precisa é quem mais se preocupa. As camadas mais
baixas.
JLPolítica - O senhor acha que, por lei, pode se mudar a
cultura de trato do idoso no Brasil?
OCM - Não pode. Essa é uma questão de educação. De educação escolar e
familiar. Tem que formar as pessoas para aquilo, para o bom trato.
JLPolítica - Se os seus três filhos decidissem lhe
colocar em um asilo, o senhor se sentiria como?
OCM - Eu nem penso nessas hipótese. Mas, se ocorresse, seria é uma
ingratidão muito grande como a que se dá com a maioria dos que chegam aqui, que
se sentem traídos pela família. Não tem um idoso que venha para cá que venha
satisfeito. Nenhum.
JLPolítica - O senhor, portanto, acha que a família ainda
é o grande berço para o cuidado da adolescência à velhice?
OCM - Sem dúvida. Não pode ser diferente. Não tem outro meio. Se você
imaginar que sua mãe ficou com você nove meses no ventre, depois, juntamente
com seu pai, cuidou de você quando não sabia andar, não sabia falar, não sabia
comer, não sabia fazer sua higienização - em bebê, ela passa um ano, até dois
anos, cuidando de você, amamentando, levando para o médico, não dormindo à
noite às vezes por causa de doença -, como é que depois você casa, cria família
e acha que “eu não posso cuidar de minha mãe porque isso e porque aquilo?”.
Esses são os fatos que eu ouço aqui diariamente: “ah, mas minha mulher não se
dá com ela. Eu moro em um apartamento pequeno. Meu pai incomoda muito. Meus
filhos fazem muito barulho. Minha casa é pequena, não cabe meu pai, não cabe minha
mãe”. Ou seja, isso me dói muito. Às vezes eu aceito determinado idoso porque
vejo o abandono dele, tem os que são maltratados, chegam aqui com complexo de
inferioridade terrível, com a situação de autoestima lá em baixo. Eu tenho
pena. E penso: se ficar ali com os dele, vai morrer precocemente. Aí eu aceito.
O GOVERNO DEVERIA FAZER MAIS
“É aquela história: tenho meus limites, não posso trabalhar com mais do que
50 ou 60 deles, então se aumenta lá fora o número de idosos a gente vai ficar
sem condições de cuidar. Aí é a parte do governo”
JLPolítica - Quais são as socializações que a instituição
pratica aqui? Tem umas festinhas, tem música?
OCM - Tem! Todas as datas, todas as quermesses, Dia dos Pais, Dia
das Mães, Carnaval, São João, Natal - tudo a gente comemora aqui. Os
aniversários são lembrados aqui dentro mesmo. Mesmo na pandemia, a gente
comprava um bolinho, guaraná e, entre a gente, fazia as comemorações. Aqueles
que têm parentes - alguns têm, outros não têm -, ainda chamamos os parentes
para participar de tudo dos eventos.
JLPolítica - O senhor percebe o comportamento da família
lá fora por quem está aqui interno? Há muita intriga de parentes que chegam
para a instituição?
OCM - Há sim. Teve um aqui que nós pedimos que levassem o idoso,
porque a família o perturbava demais. Ele pedia para entrar e quando veio,
esses parentes perturbavam o idoso e a gente também. Por quê? Eram quatro
filhos, dois queriam que ele ficasse interno e dois não queriam. Não sabíamos
que dois não queriam, e admitimos, aí ficou a briga e a discussão entre os
quatro. Quando vem gente aqui fazer a entrevista e tem muitos filhos procuro
conversar com todos para ver a opinião, porque se um disser que não quer eu não
admito o idoso.
JLPolítica - A admissão tem que ser consensual?
OCM - Sim. Porque senão, é problema. Porque ficam “ah, meu
pai caiu, meu pai disse que não dormiu ontem à noite”, e começam a criticar a
gente. Isso é ruim, porque ele pode chegar lá e dizer uma inverdade: “Ó, o
Asilo Rio Branco maltrata o idoso”. O idoso não fala nada. Não diz isso. Mas o
filho dissidente, com raiva, diz isso. Já tiveram aqui vários problemas com
esse tipo de personalidade. Tem sempre um desorientado da vida. Não cuida do
pai porque não quer ou porque não tem condições e quando acha alguém que cuida
aí fica com inveja - “Está cuidando do meu pai, eu não pude cuidar” -, e aí
começa a encontrar defeitos.
JLPolítica - Isso tem alguma serventia?
OCM - Nenhuma. Isso não ajuda a gente. Só atrapalha nosso trabalho.
Aqui a gente chega de manhã cedo e todo mundo tem que ir tomar banho, não tem
perdão. Querendo ou não, vai para a higienização. Vai quem anda, vai quem não
anda. Toma banho na cama e tal - de lá eu oriento que eles venham andando, de
cadeira de rodas, mas venham para o salão. E para quê?
ESTADO OMISSO FRENTE AOS IDOSOS
“Muito da política: “Eu faço, pinto, aconteço, eu vou fazer”. Sim, mas não
chega aqui. Em 1911, quando o Asilo Rio Branco foi criado, não tinha Ministério
Público, não tinha não sei o quê, e hoje tem tudo lá. Eles se reúnem lá em
Brasília e emitem suas cartilhas”
JLPolítica - Para socializarem-se.
OCM - Exatamente. Para conversar, ver o colega, bater um papo. Estou
aqui diariamente, desde as 7h da manhã, aí converso com todos, só não estou
aqui dia de sábado e domingo, mas de segunda a sexta, estou diariamente, às 7
horas. Procuro trazer a brincadeira que cada um gosta - um gosta de falar de
mulher, outro gosta de falar de futebol e eu vou me adaptando, brincando com
todos eles.
JLPolítica - Tem joguinho aqui? Dama, dominó, essas
coisas?
OCM - Tem um dominozinho. Mas o idoso, pela sua índole, gosta de ficar
quieto e só. A gente força o idoso à mobilidade, mas é contra a formação dele.
Contra a sua natureza. Tiro isso por mim, que já sou um idoso, que gosto de
ficar em casa. Chega as 6h, uma filha diz: “Meu pai, queria levar o senhor em
uma lanchonete, a um restaurante tal, a um aniversário de uma neta”. E eu:
“Minha filha, não vou. Traga a pizza que eu como. Ir lá, não. Agora, faça aqui
que eu participo, eu danço e tal”. Sair de minha casa para ir para o
restaurante depois das 6h, só se houver necessidade maior. Então com o idoso
aqui é a mesma coisa. Entendo o idoso porque eu sou um deles. Mas me dizem: “O
senhor precisa fazer um baile, não sei o quê e tal”. E eu respondo: “Faça,
minha senhora, venha fazer o baile aqui, está aberto e vamos botar eles para
dançar”. Outros, “ah, por que o senhor não faz uma horta?”. Eu já tentei e
digo: “Horta? A senhora entende de horta? Quer fazer a horta? Vai ser facinho.
A senhora vem aqui, encontra alguém que queira trabalhar”.
JLPolítica - Isso é sugestão de parentes?
OCM - É de visitantes. “Veja bem, a senhora não está aqui? Não tem 42
internos? Vá lá, converse com quem quiser. Leve a vassoura e peça para um deles
varrer o quarto para você ver”. Chegou aqui uma vez uma promotora,
fiscalizando: “Ah, mas aquela senhora está comendo de mão”. “Sim, sabe a idade
dessa senhora que está comendo de mão? 92 anos. Ela veio de não sei onde, nem o
nome tenho aqui”. “Mas, senhor, não pode deixar comer de cócoras e com a mão”.
“Faça o seguinte, doutora: vá conversar com ela e peça para ela comer de
garfo”. Rapaz, a doutora volta chorando: “É muito bruta”. “E é, doutora? A
senhora a acha bruta, é? Não. Oriente ela”. “Não. Não adianta não”. “E por que
a senhora está nos criticando pelo fato de ela comer de mão? Doutora, oh,
doutora!”. De modo que até hoje aqui tem quem coma de não. Não adianta: Maria
de tal só come com a mão. Agora, porque que o árabe come com a mão e não é
pecado? Ainda limpa a mão na saiote, porque não tem papel higiênico. E por que
vou criticar ela que gosta de comer de mão? Minha mãe fazia bolinho de feijão
para mim e me dava. Eu sou do interior, tomei banho foi de barreiro, o quê que
tem?
JLPolítica - O senhor é feliz com o que faz?
OCM -Oxe: meu Deus do céu! Eu sou mais do que feliz. Entendo e aprendi que
isso aqui foi uma oportunidade que tive na minha vida. Nunca pensei que eu ia
chegar a esse ponto de encontrar felicidade fazendo filantropia. Hoje
compreendo que todo homem deveria ter essa oportunidade de encontrar um
ambiente para praticar filantropia. Tenho encontrado muitos empresários amigos
meus, angustiados e tal, que quando faço uma solicitação me agradecem, com a
ponderação: “Eu não faço doação, não tenho oportunidade, até gostaria. Ando no
meu carro com vidro fechado, não dou esmola a ninguém porque tenho medo. Na
minha empresa, ninguém tem acesso a mim. Nos meus ambientes, ninguém tem
acesso, então eu não faço filantropia. Obrigado por permitir que eu faça”.
Entendeu como é?
SE SEUS FILHOS LHE MANDASSEM PRO ASILO?
“Eu nem penso nessas hipótese. Mas, se ocorresse, seria é uma ingratidão
muito grande como a que se dá com a maioria dos que chegam aqui, que se sentem
traídos pela família. Não tem um idoso que venha para cá que venha satisfeito”
JLPolítica - O senhor foi chamado a essa missão aos 45
anos. Faria de novo, se fosse convocado?
OCM - Sim, sim. Mas estou procurando sucessor aqui há quase 15 anos e
não acho.
JLPolítica - Mas também não se incomoda com não achar?
OCM - Não, e assim eu vou ficando, não é. Mas a gente vai cansando,
naturalmente.
JLPolítica - Como é que o senhor concilia suas obrigações
de homem um industrial com as de gestor do Asilo Rio Branco?
OCM - Rapaz, a gente vai readaptando a vida. Saio de casa antes das
7h, venho para o Asilo Rio Branco, chego aqui impreterivelmente às 7h, daqui
saio entre as 8h30 e as 9h, dependendo de alguma coisa, até um pouquinho mais.
Pronto, vou para a fábrica e de lá ao meio-dia almoço com amigos. Estou
perdendo amigos da minha geração - depois dos 70 morrem muitos -, como o
querido Noel Barbosa.
JLPolítica - Respeitemos a memória dos mortos, mas Seu
Noel era um parceiro do Rio Branco?
OCM - Era. Aliás, ele mais do que isso: era meu conselheiro aqui. Noel
Barbosa era um generoso calado. Ele não dizia nada a ninguém do que fazia. Mas
era generoso e do que ele fez só sabe eu. Nem a família sabia.
HISTÓRICO DE FAMÍLIAS QUE PERTURBAM
“Teve um aqui que nós pedimos que levassem o idoso, porque a família o
perturbava demais. Ele pedia para entrar e quando veio, esses parentes
perturbavam o idoso e a gente também. Por quê? Eram quatro filhos, dois queriam
que ele ficasse interno e dois não queriam”
JLPolítica - Quando é fundado o Asilo Rio Branco?
OCM - Ele é de 1911. Foi fundando por Idalino Oliveira, que morreu
antes de inaugurá-lo.
JLPolítica - Ele nasce em que condições? Já nasce desse
tamanho e aqui nesse espaço?
OCM - Não. O Asilo Rio Branco começou ali onde era o Clube do
Trabalhador, que é em frente ao Arquidiocesano. E era administrado, naquela
época, pela Igreja Católica.
JLPolítica - Qual é o tamanho dessa área hoje?
COM - São mais de 70 mil metros quadrados. Isso corresponde a mais de
16 tarefas. Mas era o dobro, quando ele recebeu isso aqui numa doação. Era um
sítio, acho que de um Zé Maria, algo assim - eram 42 tarefas. Era de um lado e
outro da pista - esses prédios aí, essa rua aqui ao lado, tudo era
daqui. Era enorme.
JLPolítica - A especulação imobiliária não fica cobiçando
essa área em que está implantado o Asilo?
OCM - Sim, fica. Sempre cobiçou. Sempre, sempre. Mas a gente sempre
diz: “Isso aqui é uma coisa que, a cada dia que passa, fica mais valorizada e
então temos que pensar no Asilo Rio Branco como a utilização por alguém que dê
uma renda vitalícia a ele. Para sua subsistência”. Já refiz uma locação aí na
frente, anos atrás, ao grupo que comprou o GBarbosa. A gente alugou essa frente
aí porque eles criariam um hipermercado, mas houve uns enguiços, e não deu
certo. Mas passaram aí uns cinco ou seis anos e o aluguel era bom. Fizemos um
fundo de caixa. Penso como empresário e para mim o Rio Branco é como se fosse
uma empresa. Não procurando dar lucro - imagine, que loucura -, mas não podendo
também ter prejuízo. Eu não posso gastar nada. Brigo aqui diariamente com o
pessoal da equipe antiga. Sou muito rigoroso.
PARTICIPAÇÃO E COM INTERATIVIDADE
“De segunda a sexta, estou diariamente, às 7 horas. Procuro trazer a
brincadeira que cada um gosta - um gosta de falar de mulher, outro gosta de
falar de futebol e eu vou me adaptando, brincando com todos eles”
JLPolítica - Em que condições físicas estão as
instalações do Asilo Rio Branco?
OCM - Ah, estão ótimas. Não está carente de reforma. Já fizemos aqui
nesse decorrer de três décadas praticamente um outro asilo de adaptações de
sanitárias a acomodações
Fonte: JL Política