O JORNAL DA CIDADE continua a série de reportagens sobre os altos gastos com os festejos juninos dos municípios sergipanos, com depoimentos de vereadores e da própria população sobre o tema. O resultado é uma enxurrada de reclamações e um único pensamento: o valor atual gasto poderia ter priorizado a saúde, a educação e a infraestrutura das cidades, mas os prefeitos estão fazendo da festa um verdadeiro palanque político. Cristinápolis, por exemplo, uma cidade que acumula uma série de irregularidades, “investiu” mais de R$ 1 milhão com a festa denominada “São João da Chapada”.
Por lá são nove dias de festividades com 23 atrações, totalizando R$ 1.047.000,00 em gastos. Um detalhe em toda essa gastança está nos custos com a ornamentação da festa, o que tem gerado muito burburinho na cidade. Segundo fontes ligadas à gestão municipal, o montante dispensado para esta finalidade pode ultrapassar R$ 150 mil.
O JC buscou o Portal da Transparência em busca dessa informação, mas sem sucesso. Para o historiador e morador de Cristinápolis, Ian Souza, a precariedade nos serviços oferecidos à população deveria ser observada antes de se destinar um valor dessa magnitude para os festejos juninos. “Enquanto os moradores sofrem com falta de saúde, educação, para pagar o piso salarial dos professores teve que parcelar em três meses, está havendo sim a farra com o dinheiro público.
O CAPS, que funcionava no Centro da cidade, funciona hoje em um bairro, porque a prefeitura disse que tem que reduzir gastos. Agora, a gente não entende. Muitas coisas faltando na assistência social, como a compra de banheiras e enxovais para gestantes, as cestas básicas, o auxílio funeral, o auxílio viagem. A gestão diz que não tem recursos financeiros, agora banca festas e esquece de olhar o principal, que é a saúde”, lamenta Ian.
A lista de reclamações de Ian continua: “uma situação gravíssima é que não tem urologista no município e a cidade carece muito desse profissional. Você chega na clínica de urgência e, às vezes, você só machuca o braço e tem que ir em Estância tirar um raio-x, percorrer mais de 50 km porque no hospital da cidade não tem um aparelho simples como esse. Família carentes estão com a barriga vazia, isso é inadmissível. São nove dias de festa, uma grande farra com o dinheiro público, gasto de milhões”.
Segundo o vereador Ícaro Hora (PV), a capacidade técnica deveria ter sido observada quando da contratação, por inexigibilidade, da pessoa que ornamentou a cidade para os festejos juninos. Para ele, a decoração ficou horrível. “Não sou contra a festa de São João, o que eu sou contra é o município de Cristinápolis contratar pessoas que não tem capacidade técnica correspondente ao valor pago. Quando se faz uma inexigibilidade para contratar um artista plástico, você precisa ter pelo menos os critérios de onde ele já trabalhou, o que ele já fez, para atender as especificações da lei de licitações.
A inexigibilidade exige essa qualidade técnica, coisa que não foi respeitada no município. A arrumação da cidade está ridícula, coisa de amadores. Os próprios funcionários da prefeitura é que estão dando suporte para a colocação”, relatou Quando o assunto é Educação, a situação para o município de Cristinápolis fica mais caótica, pois o piso do magistério ainda não está sendo pago. Essa é uma das reclamações da categoria dos professores.
Apesar de aprovado na Câmara de Vereadores, o projeto não foi colocado em prática pelo prefeito. “Nós votamos no reajuste dos professores, porém o prefeito não pagou. Ontem (quarta-feira, 22) foi uma revolta grande aqui no município. Os professores estão para entrar com um mandado de segurança, já que têm direito de receber. Inclusive, é uma recomendação do Ministério Público que pague o décimo terceiro aos contratados, já que pagou aos comissionados e efetivos, mas até agora nada também”, avisou Ícaro Hora. Saindo da região Sul e aportando na Centro-Sul, mais precisamente no município de Poço Verde, a crítica vem do diretor de Bases Municipais do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese), Benizário Júnior.
Segundo ele, a cidade enfrenta queda nas matrículas, escolas deterioradas e não pagamento do piso dos professores. Mas, em contrapartida, a gestão divulgou em suas redes sociais a contratação do cantor Mano Walter para “abrilhantar” a festa intitulada “São Pedro do Povo”, que acontece nos dias 16 e 17 de julho. O valor desse único show: R$ 200 mil. Outras atrações ainda devem ser divulgadas. “Estamos com um problema muito sério em Poço Verde. Por lá, só foi pago o piso de 2020 a partir de judicialização. O município também enfrenta um problema muito sério de queda de matrículas. Poço Verde tem um problema enorme de infraestrutura, inclusive a principal escola da cidade está há mais de dois anos em reforma e os alunos estão locados em duas casas comuns, extremamente ruins de infraestrutura. A situação é muito ruim”, apontou Benizário.
Itaporanga e Capela
Partindo para o Leste sergipano, duas cidades chamam a atenção devido à grandiosidade dos festejos juninos. Itaporanga D´Ajuda e Capela , juntas, totalizam gastos, apenas com contratação de bandas, em quase R$ 3 milhões. Sem contar, o valor destinado a estrutura dos eventos. Em Capela, o montante que será pago aos artistas chega perto de R$ 2 milhões (R$ 1.855.000,00).
A festa inicia no dia 30 de junho e vai até o dia 3 de julho. Já em Itaporanga, o grande evento já foi realizado e foi dispensado para o pagamento de bandas, pouco mais de R$ 1 milhão (R$ 1.070.000,00). “O que a gente tem em Itaporanga é o reflexo de boa parte dos municípios sergipanos, que é a velha política do pão e circo que já vem lá desde Roma. A situação dos professores é lastimável. Eles estão sem o início do ano sem o piso, o de 2020 foi pago agora em 2022, já tinha um atraso salarial de dois anos de atualização do piso. A situação das escolas em alguns casos é caótica, sem a mínima infraestrutura, precisando de muita coisa”, analisou Benizário Júnior, do Sintese.
Ele vai mais além e relata um problema que, para ele, pode colapsar a Educação no município de Itaporanga. “Há um problema muito sério na prestação de contas. Está numa situação em que a gente está com medo de haver corte da Secretaria do Tesouro Nacional, porque eles não estão prestando contas dos recursos da Educação de maneira adequada. Tem muita coisa faltando ser prestada. Andei nas escolas de Itaporanga faz uns dois meses e observei que a maioria das escolas está precisando de reformas, reparos estruturais de maneira urgente, eu consegui observar isso in loco”, alertou o representante dos professores.
A narrativa sobre a situação do município de Capela fica por conta da única vereadora de oposição da cidade, Zefinha de Jidelson (Republicanos). Segundo ela, a gestão consegue maquiar os problemas. “Trabalho eficaz não existe aqui em Capela, o que existe é aquela coisa que, aparentemente, está tudo bem, mas quando você vai buscar a realidade, o sofrimento do povo, não tem nada bem, principalmente na saúde. Acompanho o dia-a-dia e vejo a necessidade do povo por remédio e que quando vai buscar, infelizmente não tem. O acesso aos povoados é terrível, a reclamação do povo é grande. A desculpa é a chuva, que não pode fazer, não pode colocar máquina, mas houve um período, no ano passado, que as máquinas não estavam trabalhando, mas as empresas estavam sendo pagas”, denunciou a parlamentar à época.
A vereadora continua elencando outras denúncias. “Desde o ano passado que a Prefeitura não paga o bolsa família municipal no valor de R$ 70, que foi uma promessa de campanha. Também no ano passado, eu tinha a informação de que a Secretaria de Educação permanecia recebendo o repasse da merenda escolar dos alunos, aí eu encaminhei um ofício pedindo informação sobre o que estava sendo feito em relação a esse dinheiro, porque não estavam dando os kits para as crianças. Se elas receberam foi uma ou duas vezes, mas o dinheiro entrava mensalmente. Nesse período foi depositado R$ 201 mil em uma conta específica e a secretária não me deu nenhuma resposta, tive uma decepção tão grande. Se é uma gestão tão transparente como dizem, porque não respondem a esta vereadora?”, questiona Zefinha, a única da oposição na Câmara.
Os dados apresentados nesta reportagem foram extraídos dos respectivos Portais da Transparência das prefeituras. O Caderno Municípios deixa o espaço em aberto caso os prefeitos das respectivas cidades citadas queiram detalhar mais sobre tais gastos divulgados. Na próxima edição, o JORNAL DA CIDADE trará notícias de outros municípios sergipanos sobre os gastos com os festejos juninos.
Jornal da Cidade