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Sergipe

RAIMUNDO SOUZA DANTAS: O ROMANCISTA E CONTISTA

Publicada em 20/11/21 às 16:49h - 269 visualizações

Moisés Santos/Tribuna Cultural, fundada em 31 de março de 2001


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RAIMUNDO SOUZA DANTAS: O ROMANCISTA E CONTISTA
Embaixador Raymundo Dantas ao lado de uma autoridade africana  (Foto: Divulgação)

Moisés Santos Souza*

O estanciano Raimundo Souza Dantas (1923-2002) foi o primeiro embaixador negro na História do Brasil. Até o ano de 2010, quase 50 anos após sua nomeação (1961), ele era o único afrodescendente que exerceu essa função na história da diplomacia e da política externa brasileira (1).

Numa nomeação muito discutida à época, por ser autodidata e principalmente por fruto do enorme preconceito racial e de origem de classe social existente no país, Raimundo foi designado ao posto para a Embaixada do Brasil em Gana pelo presidente Jânio Quadros (1917-1992), com o objetivo de “estreitar os laços de amizade” entre os dois países (2). Não discutiremos neste artigo a trajetória da carreira de diplomata de Raimundo Souza Dantas, nem das eventuais dificuldades e preconceitos sofridos a alçada ao posto diplomático. O texto pretende traçar um brevíssimo perfil da obra de romancista, desse importante intelectual negro brasileiro.

Nascido em 11 de janeiro de 1923, numa região muito pobre da cidade de Estância (SE), era filho de pais analfabetos: Reis Café Souza Dantas (um pintor de paredes) e Porfíria Conceição Dantas (uma lavadeira). Devido as dificuldades financeiras da família, – o casal tinha mais dois filhos – Raimundo permanece pouco tempo na escola e assim como seus pais, manteve-se analfabeto por muitos anos. Antes da sua elevada e incansável trajetória, ele exerceu os ofícios de aprendiz de ferreiro, marceneiro, entregador de embrulhos e aos 16 anos, foi auxiliar de tipógrafo do antigo Correio de Aracaju, onde consegue o seu penoso processo de alfabetização. É nessa atividade de tipógrafo e as novas amizades estabelecidas no ambiente do jornal, que ele teve a oportunidade de acesso ao mundo da leitura, fundamental para o relativo sucesso posterior na escrita. Aos 19 anos, já alfabetizado e residindo no Rio de Janeiro, trava contatos e amizades com escritores bastante conhecidos nas letras nacionais como, entre outros, Graciliano Ramos (1892-1953) e Aníbal Machado (1894-1964). É neste período, e com o incentivo desses literatos, que Raimundo Souza Dantas começa a sua promissora vida de jornalista e escritor. Ao todo, sua obra literária se resume a dois romances (Sete Palmos da Terra/1944 e Solidão nos Campos/1949); a novela Vigília da Noite (1949); a reunião de contos Agonia (1945); livros de depoimentos biográficos e diários (Um começo de vida/1949 e África Difícil: Missão Condenada/1965), além de diversas colaborações em jornais e revistas.

A obra estritamente literária de Raimundo Souza Dantas tem feição memorialística, pois é permeada de passagens de sua vida, em especial, aos vívidos na sua infância pobre no interior de Sergipe. O primeiro, Sete Palmos da Terra, romance panfletário de linguagem simples com influência marxista, destaca as secas e as constantes enchentes do rio Piauitinga (um afluente da bacia do rio Piauí) nas primeiras décadas do século XX, além de antigos problemas sociais e políticos, ainda não resolvidos na história nacional. Solidão nos Campos, por sua vez, retrata a história do narrador-protagonista Vicente, que conta sua trajetória de vida desde o abandono da sua terra natal, juntamente com seus pais (em decorrência da seca e miséria) e a mudança para a cidade de Estância. Uma vez nesta cidade, com a esperança de ser um refúgio para a seca, passa a ser “o lugar responsável por desencadear uma sucessão de fracassos" (3). Segundo a pesquisadora Marina Horta, esse romance traz a cidade interiorana de Sergipe  como “um espaço caracterizado por memórias negativas, quase sempre relacionadas a experiências que, em alguma medida, são assinaladas pela violação do sujeito” (4).

Publicado no mesmo ano de Solidão nos Campos e baseado em um salmo bíblico, a novela Vigília da Noite apresenta um homem com completa ausência de Deus, que voltado apenas para a satisfação do seus instintos, procura alimentos para a sua vida herege. Essa novela foi fruto do contato de Souza Dantas com autores católicos, descobertos por ele em fins de 1947. Já a novela Agonia, publicada em livro que reúne também três contos (Ana parece doente; O Enfermo; Uma criança sorriu), traz memórias de infância e relatos autobiográficos de Raimundo Souza Dantas, transcriados em enredos ficcionais. Narrada em primeira pessoa, a novela conta a trajetória do protagonista negro Luiz, que diagnosticado pela tuberculose, fica isolado em um quarto e perde contato com a sociedade exterior. Uma vez isolado, ele rememora acontecimentos que marcaram sua vida traumática, fruto de frustações, miséria e discriminação racial. 

Como se vê acima, Dantas produziu uma obra que partiu do seu cotidiano, das suas lembranças e experiências, que não foram das melhores, marcadas por diversos sacrifícios, preconceitos, mas também superações.  Ele, assim como outros escritores negros da literatura (exceto alguns casos), ainda não ocupa uma posição em meios acadêmicos e permanece uma figura desconhecida no cânone literário, que praticamente excluiu muitos bons autores afrodescendentes na construção de uma historiografia literária. Por fim, mais do que nunca, é fundamental que autores negros sejam lembrados, republicados e devidamente lidos, para que o lugar de apagamento e silenciamento na literatura, seja superado. Espero que a obra de Raimundo Souza Dantas possa sair dessa exclusão e estudado pelas suas qualidades. Assim seja.

NOTAS:

(1)    Em 2010, o fluminense Benedicto Fonseca Filho (1963-) chega a ministro de primeira classe, aos 47 anos. Diplomata por concurso, ele se torna o primeiro embaixador negro de carreira do Brasil.  A também fluminense Mônica de Menezes Campos (1957-1985), foi a primeira mulher negra diplomata no Brasil, aos 21 anos, ao ser aprovada em concurso em 1978. Exerceu a função até a sua morte precoce, em 1985. Ela, infelizmente, não chegou a função de embaixadora. (Informações disponíveis em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0601201107.htm e https://obarao.damasio.com.br/baronesa-do-mes-monica-de-menezes-campos/. Acesso em: 14, nov. 2021).

(2)    Documento de nomeação de Raimundo Souza Dantas. Disponível em: www.omenelick2ato.com/historia-e-memoria/em-nome-do-pai. Acesso em: 14, nov. 2021.

(3)    HORTA, Marina Luiza. A imagem improvável do escritor: Raimundo Souza Dantas – apontamentos sobre vida e obra. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015. p. 129.

(4)    Idem. p. 128.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DANTAS, Raimundo Souza. Um começo de vida (depoimento biográfico). Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947.

DUARTE, Eduardo de Assis (Org.). Literatura Afro-brasileira – 100 autores do século XVIII ao XXI. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.

GOMES, Flávio dos Santos; LAURIANO, Jaime; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia Negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

HORTA, Marina Luiza. A imagem improvável do escritor: Raimundo Souza Dantas – apontamentos sobre a vida e obra. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015.


*Moisés Santos Souza é estanciano, graduado em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professor da rede de ensino do município de Lagarto/SE.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Moisés Santos Souza*

 

O estanciano Raimundo Souza Dantas (1923-2002) foi o primeiro embaixador negro na História do Brasil. Até o ano de 2010, quase 50 anos após sua nomeação (1961), ele era o único afrodescendente que exerceu essa função na história da diplomacia e da política externa brasileira (1).

Numa nomeação muito discutida à época, por ser autodidata e principalmente por fruto do enorme preconceito racial e de origem de classe social existente no país, Raimundo foi designado ao posto para a Embaixada do Brasil em Gana pelo presidente Jânio Quadros (1917-1992), com o objetivo de “estreitar os laços de amizade” entre os dois países (2). Não discutiremos neste artigo a trajetória da carreira de diplomata de Raimundo Souza Dantas, nem das eventuais dificuldades e preconceitos sofridos a alçada ao posto diplomático. O texto pretende traçar um brevíssimo perfil da obra de romancista, desse importante intelectual negro brasileiro.

Nascido em 11 de janeiro de 1923, numa região muito pobre da cidade de Estância (SE), era filho de pais analfabetos: Reis Café Souza Dantas (um pintor de paredes) e Porfíria Conceição Dantas (uma lavadeira). Devido as dificuldades financeiras da família, – o casal tinha mais dois filhos – Raimundo permanece pouco tempo na escola e assim como seus pais, manteve-se analfabeto por muitos anos. Antes da sua elevada e incansável trajetória, ele exerceu os ofícios de aprendiz de ferreiro, marceneiro, entregador de embrulhos e aos 16 anos, foi auxiliar de tipógrafo do antigo Correio de Aracaju, onde consegue o seu penoso processo de alfabetização. É nessa atividade de tipógrafo e as novas amizades estabelecidas no ambiente do jornal, que ele teve a oportunidade de acesso ao mundo da leitura, fundamental para o relativo sucesso posterior na escrita. Aos 19 anos, já alfabetizado e residindo no Rio de Janeiro, trava contatos e amizades com escritores bastante conhecidos nas letras nacionais como, entre outros, Graciliano Ramos (1892-1953) e Aníbal Machado (1894-1964). É neste período, e com o incentivo desses literatos, que Raimundo Souza Dantas começa a sua promissora vida de jornalista e escritor. Ao todo, sua obra literária se resume a dois romances (Sete Palmos da Terra/1944 e Solidão nos Campos/1949); a novela Vigília da Noite (1949); a reunião de contos Agonia (1945); livros de depoimentos biográficos e diários (Um começo de vida/1949 e África Difícil: Missão Condenada/1965), além de diversas colaborações em jornais e revistas.

A obra estritamente literária de Raimundo Souza Dantas tem feição memorialística, pois é permeada de passagens de sua vida, em especial, aos vívidos na sua infância pobre no interior de Sergipe. O primeiro, Sete Palmos da Terra, romance panfletário de linguagem simples com influência marxista, destaca as secas e as constantes enchentes do rio Piauitinga (um afluente da bacia do rio Piauí) nas primeiras décadas do século XX, além de antigos problemas sociais e políticos, ainda não resolvidos na história nacional. Solidão nos Campos, por sua vez, retrata a história do narrador-protagonista Vicente, que conta sua trajetória de vida desde o abandono da sua terra natal, juntamente com seus pais (em decorrência da seca e miséria) e a mudança para a cidade de Estância. Uma vez nesta cidade, com a esperança de ser um refúgio para a seca, passa a ser “o lugar responsável por desencadear uma sucessão de fracassos" (3). Segundo a pesquisadora Marina Horta, esse romance traz a cidade interiorana de Sergipe  como “um espaço caracterizado por memórias negativas, quase sempre relacionadas a experiências que, em alguma medida, são assinaladas pela violação do sujeito” (4).

Publicado no mesmo ano de Solidão nos Campos e baseado em um salmo bíblico, a novela Vigília da Noite apresenta um homem com completa ausência de Deus, que voltado apenas para a satisfação do seus instintos, procura alimentos para a sua vida herege. Essa novela foi fruto do contato de Souza Dantas com autores católicos, descobertos por ele em fins de 1947. Já a novela Agonia, publicada em livro que reúne também três contos (Ana parece doente; O Enfermo; Uma criança sorriu), traz memórias de infância e relatos autobiográficos de Raimundo Souza Dantas, transcriados em enredos ficcionais. Narrada em primeira pessoa, a novela conta a trajetória do protagonista negro Luiz, que diagnosticado pela tuberculose, fica isolado em um quarto e perde contato com a sociedade exterior. Uma vez isolado, ele rememora acontecimentos que marcaram sua vida traumática, fruto de frustações, miséria e discriminação racial. 

Como se vê acima, Dantas produziu uma obra que partiu do seu cotidiano, das suas lembranças e experiências, que não foram das melhores, marcadas por diversos sacrifícios, preconceitos, mas também superações.  Ele, assim como outros escritores negros da literatura (exceto alguns casos), ainda não ocupa uma posição em meios acadêmicos e permanece uma figura desconhecida no cânone literário, que praticamente excluiu muitos bons autores afrodescendentes na construção de uma historiografia literária. Por fim, mais do que nunca, é fundamental que autores negros sejam lembrados, republicados e devidamente lidos, para que o lugar de apagamento e silenciamento na literatura, seja superado. Espero que a obra de Raimundo Souza Dantas possa sair dessa exclusão e estudado pelas suas qualidades. Assim seja.

NOTAS:

(1)    Em 2010, o fluminense Benedicto Fonseca Filho (1963-) chega a ministro de primeira classe, aos 47 anos. Diplomata por concurso, ele se torna o primeiro embaixador negro de carreira do Brasil.  A também fluminense Mônica de Menezes Campos (1957-1985), foi a primeira mulher negra diplomata no Brasil, aos 21 anos, ao ser aprovada em concurso em 1978. Exerceu a função até a sua morte precoce, em 1985. Ela, infelizmente, não chegou a função de embaixadora. (Informações disponíveis em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0601201107.htm e https://obarao.damasio.com.br/baronesa-do-mes-monica-de-menezes-campos/. Acesso em: 14, nov. 2021).

(2)    Documento de nomeação de Raimundo Souza Dantas. Disponível em: www.omenelick2ato.com/historia-e-memoria/em-nome-do-pai. Acesso em: 14, nov. 2021.

(3)    HORTA, Marina Luiza. A imagem improvável do escritor: Raimundo Souza Dantas – apontamentos sobre vida e obra. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015. p. 129.

(4)    Idem. p. 128.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DANTAS, Raimundo Souza. Um começo de vida (depoimento biográfico). Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947.

DUARTE, Eduardo de Assis (Org.). Literatura Afro-brasileira – 100 autores do século XVIII ao XXI. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.

GOMES, Flávio dos Santos; LAURIANO, Jaime; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia Negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

HORTA, Marina Luiza. A imagem improvável do escritor: Raimundo Souza Dantas – apontamentos sobre a vida e obra. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015.

 

*Moisés Santos Souza é estanciano, graduado em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professor da rede de ensino do município de Lagarto/SE.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




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