“Mês passado, o ferro estava R$ 14 a vara. Este mês está R$ 22, aumentou muito. A vendedora falou que, se você quiser comprar um material que custa R$ 20, tem de guardar R$ 40, porque está aumentando de um dia para o outro”, disse Eliana. A fundação da casa já está pronta, mas, nesse ritmo, a expectativa é que ela, os dois filhos e o neto só consigam se mudar para o local no fim do ano que vem.
A alta de preços não está restrita aos vergalhões. O item referente a materiais e equipamentos de construção acumula uma alta recorde de 32,92% no período de 12 meses encerrado em junho, segundo o Índice Nacional de Custo da Construção – Disponibilidade Interna (INCC-DI), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o maior patamar desde o início do Plano Real. Já o INCC-DI completo, incluindo também preços de mão de obra e de serviços, registra uma alta de 17,34% no período – ainda assim, muito além da inflação oficial (8,35%).
Os itens que mais subiram de preço no período foram tubos e conexões de ferro e aço (alta de 91,66% em 12 meses até junho de 2021); vergalhões e arames de aço ao carbono (78,35%); condutores elétricos (76,19%); tubos e conexões de PVC (64,91%); eletroduto de PVC (52,06%); esquadrias de alumínio (35,21%); tijolo/telha cerâmica (33,82%); compensados (30,47%); cimento portland comum (27,62%) e produtos de fibrocimento (26,96%).
Essa disparada nos preços atrapalhou também os planos do empresário Raphael Paiva de Souza, de 30 anos, dono de uma loja de móveis. Ele precisou adiar a reforma que planejava fazer na casa onde mora com os pais, no Tatuapé, zona leste de São Paulo. A ideia original era reformar as salas de estar e de jantar e o lavabo, mas, com os preços subindo, o último cômodo acabou ficando para depois.
“Os materiais de construção já estavam em um valor alto e a mão de obra também, então optamos por adiar a reforma do lavabo e pensamos em comprar as coisas aos poucos”, disse. “Assim que eu tiver todos os materiais, vou chamar a mão de obra. Mas estou acompanhando os preços desde julho do ano passado e realmente nesse último mês subiu muito.”
Ele disse que aguardava alguma promoção para conseguir realizar as compras e que ficou “chocado” com o ritmo com que os preços aumentaram. “Principalmente o piso que a gente queria, de porcelanato: há seis meses, era R$ 98 o metro quadrado e agora está R$ 164. O cimento também está subindo muito.”
O plano de Raphael era terminar toda a obra antes do Natal deste ano. “Estamos na esperança de poder receber as pessoas em casa até lá. Então, o lavabo já reformado facilitaria bastante”, disse. Ele também planejava comprar um terreno até o fim do ano, para construir um galpão para a empresa. “Mas esse aumento de preços dos materiais está me deixando preocupado, porque não vou ter o capital para fazer a construção.”
Impacto nos negócios
Em junho, o aumento de custo da matéria-prima foi apontado, pela primeira vez, como o principal empecilho aos negócios nas empresas de construção, segundo dados da Sondagem da Construção, também da FGV. No mês, 36,4% das empresas ouvidas pela Sondagem da Construção apontaram o encarecimento da matéria-prima como principal limitador à melhoria dos negócios, ultrapassando assim as menções a problemas como demanda insuficiente (35,3%), questões financeiras (16,9%) ou acesso a crédito bancário (13,1%).
“Acho que essa é uma questão que ainda está latente”, disse Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV). “É uma questão que preocupa, porque dificulta até a formação de orçamentos. Porque as empresas formam um orçamento hoje, mas quando forem lançar o imóvel, quando forem vender, os preços estão subindo muito, como você faz essa projeção? É uma questão que complica significativamente. Por outro lado, para as famílias que já compraram imóvel e têm suas parcelas indexadas pelo INCC isso também é um problema, porque o índice está subindo de uma forma expressiva. É um componente que traz uma tensão ao cenário.”
Empresários do setor se queixam que o descontrole de preços de materiais pode frear o ritmo de recuperação da atividade de construção. “Está impactando e impactará muito para o futuro. No primeiro trimestre a gente viu redução de lançamentos imobiliários. Poderia estar no auge, no momento mágico”, disse José Carlos Rodrigues Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
FONTE: ESTADO DE S. PAULO