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Sergipe

HISTORIADOR CRITICA ESTÂNCIA POR NÃO SABER PRESERVAR O SEU PATRIMÔNIO HISTÓRICO

O que tem sido visto, ao contrário, foi um gradativo aumento de demolições de bens históricos.

Publicada em 23/03/21 às 12:53h - 438 visualizações

Professor Moisés Souza


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HISTORIADOR CRITICA ESTÂNCIA POR  NÃO SABER PRESERVAR O SEU PATRIMÔNIO HISTÓRICO
\\  (Foto: Atribuna Cultural)

Moisés Santos Souza*

A frase acima que dá titulo a este pequeno artigo, resume em poucas palavras uma triste realidade presente nos últimos anos na cidade: “Estância não sabe cuidar do seu patrimônio”. Ė evidente a negligência de parte da sociedade e do poder público de Estância com seu rico patrimônio arquitetônico. Pretendo neste texto, elencar uma série de razões que credita a afirmação acima e discorrer problemáticas que geraram este desconforto.

Há alguns anos, até o início da década de 1990, a cidade de Estância era conhecida juntamente com Laranjeiras e São Cristóvão, como uma das principais cidades do estado de Sergipe constituída de patrimônio histórico e arquitetônico. Ainda nessa década, era fácil encontrar em guias e manuais turísticos do estado ou ser lembrada em especiais da TV sergipana como a terceira mais importante cidade detentora de bens imóveis patrimoniais, devido a grande concentração na área central de belos exemplares da arquitetura em Sergipe. No decorrer dos anos, o que se viu foi um surto veloz de modificações e demolições dos seus casarios e sobrados.

Em uma visita a Estância, também nos idos dos anos 1990, o professor Luiz Fernando Ribeiro Soutelo constatou o início da descaracterização arquitetônica pela qual passava a cidade. Segundo ele, em artigo escrito na ocasião, destacou que o processo era inevitável, mas poderia “o poder público, em seu sentido mais geral, interferir no processo e estabelecer mecanismos legais”  que levasse uma mudança de rumo, “definindo áreas de preservação rigorosa”, onde as transformações fossem permitidas sob “determinados critérios” e  intervenções fossem liberadas ou não por “princípios estabelecidos pela legislação” (1). Apesar da preocupação do conhecido professor, à época, membro do Conselho Estadual de Cultura, pouco ou nada foi feito ao longo dos anos pelas autoridades públicas nas esferas estadual e municipal.

O que tem sido visto, ao contrário, foi um gradativo aumento de demolições de bens históricos. Dos bens destruídos, transformados ou em estado de degradação, estão prédios “protegidos" por decretos estaduais pelo mecanismo de tombamento. Desses, o caso visto como mais crítico foi o que aconteceu ao imóvel situado na rua Capitão Salomão, n. 256 (2). Este imóvel, um sobrado azulejado em estilo neoclássico, que pertenceu ao comerciante Elisiário Macedo Silveira e foi sede da Câmara Municipal, teve todas as suas paredes internas derrubadas a “golpes de talhadeiras e marretas", ficando somente de pé sua fachada e desde o ano de 2013 vem pondo em perigo os transeuntes da via pública. (3)

Outros casos, não menos importantes, são os que vêm ocorrendo com os imóveis também localizados na rua citada acima de n.s. 67, 136, 120, 122 e uma casa térrea azulejada em estilo neogótico, situada na rua Duque de Caxias (antiga Pernambuquinho), n. 339 (4). Algumas dessas edificações sofreram  modificações nas suas características originais (que inclusive justificavam o tombamento) com as retiradas de azulejos, frisos, arcadas das janelas e gradis ornados de ferro. Outras estão com grande parte de sua estrutura precária, podendo no futuro, ocorrer o desabamento.

Se o patrimônio “legalmente protegido” não está livre da ruína, em situações semelhantes ou piores estão os bens imóveis não tombados, mas possuidores de inestimável valor artístico e cultural da arquitetura civil estanciana.  Nos últimos vinte anos, alguns desses monumentos sumiram permanentemente da paisagem urbana, muito ricamente ornados nas suas fachadas com pequenas esculturas em alto e baixo relevo, pináculos, acrotérios, cornijas, frisos azulejados, entre outros.

O conjunto urbano da vila operária do bairro Santa Cruz, localizada ao sul da cidade, também está a mercê de constantes alterações, em especial, pelas intempéries do tempo e por parte dos supostos “critérios de conservação” do seu proprietário. No início dos anos 2000, edificações como o Centro Educativo Gonçalo Prado e a Igreja Santa Cruz (construídos em 1940), sofreram alterações que descaracterizaram as fachadas que eram melhores em sua forma original (5). As 72 unidades residenciais localizadas na rua Santa Cruz, destinadas a habitação de operários da antiga fábrica de tecidos, apesar de conservação regular, precisam de reparos.

Felizmente, de “tempos em tempos”, vozes isoladas e de acordo com suas condições e limites, se pronunciaram em defesa dos monumentos de Estância. A arquiteta Ana Paula Post e o historiador Rogério Freire Graça, levaram o caso da situação dos casarões de Estância em evento de conservação patrimonial realizado na Espanha. O objetivo, segundo eles, era “reforçar a necessidade de preservação dos poucos casarões restantes” (6). Os jornalistas Magno de Jesus e Augusto Santos, através dos seus jornais (A Tribuna Cultural e Folha da Região), escreveram editoriais e abriram espaço na denúncia a destruição desses bens. Os professores e ex-vereadores José Domingos Machado (PT) e Dionísio Neto (PSC), cada um em seus respectivos mandatos legislativos, fizeram pronunciamentos e proposições em defesa do patrimônio estanciano  (7). E mais recentemente, o portal “Memórias de Estância”, a partir das postagens de fotografias, vídeos e textos nas diversas redes sociais, tem contribuído na divulgação do passado e do patrimônio cultural material e imaterial da cidade, fazendo uma prestação de serviço muito maior do que os órgãos competentes.

Mas isso não é suficiente. Mesmo que uma parcela da sociedade seja sensível com a causa cultural, falta uma ação concreta por parte do poder público capaz de nortear e direcionar políticas públicas. É preciso criar mecanismos legais por proteção; incentivos aos proprietários para a preservação e revitalização; minuciosos mapeamentos e inventários do patrimônio cultural; delimitar e zonear num bem elaborado plano diretor as áreas específicas de proteção, modificação e expansão da cidade; além de intensas campanhas de divulgação e educação patrimonial. Assim sendo, caminharemos na conservação da história e da integridade física da paisagem urbana de Estância, conciliando desenvolvimento e preservação. Tudo isso listado, vale tanto para o patrimônio cultural construído quanto para o patrimônio natural (outro esquecido e ameaçado). Este último, também um assunto de minhas preocupações, será discutido em outra oportunidade.

 

Notas:

(1)   SOUTELO, Luiz Fernando Ribeiro. O centro histórico da Estância. Folha da Região. Estância (SE), maio de 1999. p. 2.

(2)  Imóvel tombado pelos decretos estaduais números 16.586 de 14/07/1997 e 17.040 de 26/09/1997.

(3)  A expressão “a golpes de talhadeiras e marretas" foi usada pelo jornalista Magno de Jesus em excelente matéria do jornal “A Tribuna Cultural" no ano de 2009. JESUS, Magno de. Prédios históricos são demolidos em Estância a golpes de talhadeiras e marretas. A Tribuna Cultural. Estância (SE), 26/12/2009. In: http://www.atribunacultural.com/noticia.php?id=303. Acesso em 22/01/2010.

(4)  Imóveis tombados pelos decretos estaduais já citados.

(5)  A dissertação de mestrado da arquiteta Suzete Bomfim, do ano de 2007, coloca que as alterações das fachadas dessas edificações tinham acontecido na década de 1970. Um equívoco da autora. Em 2000 e 2001, fiz visitas e passeios ao bairro Santa Cruz e as fachadas originais ainda existiam. BOMFIM, Suzete. A Moradia do Operário no Brasil – o caso da vila Santa Cruz. Brasília: UNB, 2007. (Dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo).

(6)  Casarões serão visto na Espanha". Jornal da Cidade. Aracaju (SE), 6 e 7 de julho de 2008. p. 3. Caderno Municípios.

(7)  O ex-vereador Dionísio Neto (PSC), bastante preocupado, em uma conversa informal em 2017, me fez um convite para fazer uma explanação na Câmara Municipal sobre os bens patrimoniais da cidade. Por timidez, por não se sentir apto e nem preparado, recusei o convite na ocasião mas sugerir nomes que poderiam colaborar na empreitada.

 

(*) Moisés Santos Souza é estanciano, graduado em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Foi membro, entre os anos de 2006 a 2011, do grupo de extensão “Defensores do Patrimônio Cultural Sergipano” (DPCS), coordenado pelo prof. Dr. Francisco José Alves (UFS). É professor da rede de ensino do município de Lagarto (SE).

 




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