Acrísio Gonçalves de Oliveira (*)
1918. Já estava arraigada a cultura carnavalesca no Berço da Cultura Sergipana. Vinha do entrudo, dos tempos de Vila. Na época do moderno carnaval, que se iniciou no século XX, a cidade havia realizado memoráveis comemorações. Nesse tempo, clubes carnavalescos tinha se formado, artistas e figurinistas tinham se notabilizado, mágicos carros alegóricos já eram esperados.
Em cada edição o Momo, “o ruidoso deus da pândega” chegava para aliviar as tensões. Assim, com o sucesso de cada ano a festa passaria a ser esperada ansiosamente. Por isso, para que nada saísse errado, uma comissão era formada para discutir antecipadamente os preparativos dos festejos. A imprensa, por ser divulgadora, era a principal incentivadora, desempenhando importante papel no processo. Pelas ruas batalhas de confetes, serpentinas e lança-perfumes deixavam um colorido na cidade. Por onde os foliões passavam ficava no ar um aroma. Um odor que uns até diziam ser como o cheiro das rosas.
A folia carnavalesca seguia acompanhada ao toque de tangos executados pela Lira Carlos Gomes, ou pela Recreio Estanciano, a filarmônica da Fábrica Santa Cruz. Sem uma delas o evento era quase impossível. Porém, alguns dias antes, saíam às ruas o Zé Pereira, um bloco com gente fantasiada, zabumbando, cantando, tocando apito e fazendo algazarra. Embora fosse o Zé Pereira um elemento próprio do carnaval, o grupo também era utilizado para fazer o chamamento do público: um recado do quentíssimo carnaval que se aproximava. No livro, Carnaval: dos ticumbís, cucumbís, entrudo e sociedade carnavalescas aos dias atuais, o escritor Haroldo Costa afirma que o “Zé Pereira transformou-se num emblema do carnaval carioca – e por extensão brasileiro – que perdura até hoje.”
Mas também era tempo da Grande Guerra, a Primeira Guerra Mundial que havia explodido em 1914. Um conflito entre aliados da Alemanha (Império Austro Húngaro e império Otomano) contra duas dezenas de países, dentre eles, o Império Russo, França, Reino Unido e até mesmo o Brasil, a partir de 1917, três anos depois de iniciado a contenda. Eram tempos atribulados. Notícias de navios torpedeados, de invasões, de fome e de morte chegavam pela imprensa. Isso afetaria o comércio, além do sentimento do povo.
Como não bastasse, no mês de janeiro de 1918, no ano do fim da guerra, começaria a se ramificar pelo mundo uma pandemia que seria popularizada como gripe espanhola. Sem saber o que estava acontecendo, e mesmo já ocorrendo mortes pelo impaludismo (uma infecção provocada pela picada de um mosquito) que se alastrava na cidade, no centro e muito mais na gente pobre da periferia, os estancianos projetavam mais um carnaval para fevereiro. Não seria bem uma festa daquelas vibrantes de outros anos. Na verdade seria uma passeata, para que o carnaval não passasse em branco. Porém, o artista Filadelfo Gonçalves, notável por seus dons artísticos, projetava em sua residência mais um garboso carro alegórico. A promoção daquela chamada “passeata” seria de um jovem entusiasta, dono do luxuoso Café Chic, da rua Capitão Salomão. Mas a festa produziu resultados satisfatórios, pois houve guerra de confetes e lança-perfumes no domingo e na terça. Aproveitando-se do momento, o famoso Cinema São João foi lotado por espectadores para ver “projetado o soberbo filme a Morte do Duque de Ofena”.
Consta que ainda após o carnaval pensavam os carnavalescos em realizar a Micareme, que seria festejado em abril, no sábado de aleluia e no domingo da ressureição. Mais uma vez, preparava um carro alegórico o Filadelfo Gonçalves. A expectativa era de que os festejos ocorressem “debaixo da maior animação”. (continua)
(*) Pesquisador, radialista, professor do Estado e da Rede Pública de Estância.