Ao fim dos primeiros 100 dias do governo Lula, é obrigatório fazer um balanço de suas realizações e também de suas insuficiências.
É evidente que muitas iniciativas ainda estão em ideia ou em estágios de preparação. É verdade também que o destino de outras medidas ainda vai depender de embates políticos e arranjos conjunturais que podem alterar o sentido da gestão.
Sobressai a devolução do comando do executivo a uma lógica comandada pela civilidade. Esse valor contribui muito para a suavização das relações políticas de uma maneira que já se faz evidente. O ambiente evoluiu para melhor.
Ainda antes de assumir, o governo logrou, na esteira da eleição, persuadir o
Congresso a sepultar o teto de gastos e com ele foi extinta toda uma lógica orçamentária que escancarou as intenções exterminadoras das gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro varridas agora pela recondução de Lula.
A liderança do Executivo na resposta à intentona golpista, já em 8 de janeiro, marcou uma ruptura com o período anterior de sabotagem das instituições republicanas a partir da cadeira presidencial.
Em cem dias, o novo governo recolocou no centro da atuação um nexo do cuidado social. Com a extinção do teto, foram garantidos cerca de 200 bilhões de reais de investimentos já neste primeiro ano de governo. Além disso, estão já em vigor o Bolsa-família mínimo de 600 reais, o reajuste dos repasses da merenda escolar congelados havia sete anos, a retomada do programa de aquisição de alimentos de pequenos agricultores para distribuição à população carente, a exposição e o socorro à tragédia humanitária que assolava os yanomami, a retomada da campanha para universalização da cobertura vacinal que fora destruída na gestão de Bolsonaro, o retorno e destravamento das obras paradas do programa Minha Casa Minha Vida, a retomada da ação racial afirmativa nas nomeações e contratações no serviço público, este coroado por uma equipe ministerial que contrasta por sua diversidade.
Cem dias são poucos. Não obstante, os primeiros cem dias de um governo são também muito por seu condão de sinalizar, de lançar as bases do que virá a ser a obra quando estiver terminada.
Neste sentido, a maior dúvida que paira sobre este governo Lula está na economia. Não surgiu ainda uma estratégia econômica que ilumine o caminho para conduzir o país para fora da estagnação em que se encontra pelo menos desde a pandemia.
É forçoso reconhecer a firmeza de decisões como a interrupção de privatizações dos Correios e outras estatais estratégicas para o projeto de reconstrução e reindustrialização nacional.
Outras iniciativas transformadoras acontecem em todas as áreas da administração, sendo muitas delas de acompanhamento específico.
Para mencionar apenas uma das mais relevantes, já se nota o protagonismo do Brasil ainda mais necessário no contexto de uma nova conjuntura internacional reconfigurada pelo conflito na Ucrânia e a ascensão do multilateralismo, em meio a graves tensões de uma nova Guerra Fria.
Antes que seja tarde, porém, será preciso tomar para si as rédeas da condução econômica. Até agora, a escolha do eleitor em outubro não se fez ouvir em área tão vital como a política monetária, que segue nas mãos de sobreviventes do bolsonarismo.
Será necessário romper esse bunker e descortinar maneiras de impulsionar a produção bloqueada pela intolerável política de juros do Banco Central. Sem isso, o governo Lula corre o risco de ver se desmancharem suas intenções de crescimento resiliente da economia, com melhora dos salários e consequentemente avanço da distribuição de renda.