Uma pesquisa realizada pela Health Security Agency (HSA), apontou que, pela primeria vez em uma década, o número de pessoas dignosticadas com o vírus HIV no Reino Unido, foi maior entre pessoas heterossexuais em comparação com homens gays ou bissexuais.
O aumento foi de 50% nos diagnósticos em homens e mulheres heterossexuais entre 2020 e 2021. No total da pesquisa, 45% das infecções ocorreram entre homens gays e bissexuais, e o restante em mulheres e homens heterossexuais. Já o Brasil ainda anda na contramão deste dado.
Segundo o Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (DCCI/SVS/MS), os casos de infecção de HIV registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) entre os homens maiores de 13 anos de idade, de 2007 a junho de 2021, 52,1% dos casos foram decorrentes de exposição homossexual ou bissexual, 31%, heterossexual e, 1,9% entre usuários de drogas injetáveis.
Nas mulheres, nota-se que 86,8% dos casos se inserem na categoria de exposição heterossexual e 1,3% na de drogas ingestáveis.
Os dados do Reino Unido e do Brasil têm um ponto em comum: a educação da população LGBTQIA+ quanto ao uso das medicações Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Profilaxia Pós-Exposição (PEP). No Reino Unido já existe uma conscientização maior sobre esses termos, enquanto que no nosso País, as informações ainda engantinham. Antes de tratarmos sobre a PrEP e a PEP, precisamos voltar um passo atrás.
A infectologia e doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de São Paulo (USP), Simone Tenore, explica a diferença básica entre HIV, sigla em inglês para Vírus da Imunodeficiência Humana e aids, sigla em inglês para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
“O termo correto que a gente usa hoje é uma pessoa vivendo com HIV. Ela pode ter só a infecção pelo vírus [o HIV], mas ela nunca teve nenhuma manifestação da doença [a aids]. Ela tem uma imunidade boa e não apresenta nenhuma manifestação do que chamamos de ‘infecções oportunistas'”, teoriza a infectologista.
“A pessoa com HIV só não transmite o vírus se ela estiver em tratamento, com a carga viral controlada e indetectável por mais de seis meses. A pessoa pode ter aids, mas se estiver em tratamento pode estar indetectável e também não transmitir o vírus”, esclaresce a doutora.
Uma das pacientes de Simone, a professora de frânces Jennifer Besser, teve o diagnóstico de HIV ao seis anos. Ela teve uma transmissão vertical, o que significa que sua mãe vivia com o vírus que foi transmitido para Jennifer ainda na gestação.
“Eu vivo há 32 anos com HIV. Descobri quando eu tinha seis anos de idade, em 1995, quando minha mãe veio a falecer de aids. O HIV é o vírus causador da aids. Quem vive com aids é uma pessoa que tem muitos vírus do HIV no corpo dela e ela está em uma situação doente do HIV, então ela tem aids”, explica a professora. Jennifer conta que já teve aids quando o vírus do HIV se multiplicou em seu corpo quatro milhões de vezes.
“Já tive aids no passado. Chegou um dia, quando eu estava com quatro milhões de cópias do HIV, que o médico chegou para mim e falou: ‘Jenne, não tem mais remédio para você tomar, você está com quatro milhões de cópias do vírus e um CD4 de 3%, ou seja, uma taxa que era para estar acima de 200 pontos estava com apenas cinco. Você está pegando um pneumonia atrás da outra e já era’ […] “Eu só tive conta do que estava acontecendo comigo nesta hora, aos 24 anos de idade. Eu parei e pensei: ‘Eu quis morrer a minha vida inteira, agora eu vou morrer'”, relembra Jennifer.
As CD4 são as células do sistema imunológico, chamadas de linfócitos, que são o principal alvo do vírus HIV. O número de CD4 diminui com a evolução da patologia que resulta na aids. Quanto menos linfócitos CD4, maior a vulnerabilidade do sistema imunológico e maior o risco de complicações e infecções.
“Quando você está com o seu CD4 baixo, e a carga viral alta, você abre portas para doenças oportunistas, então você pode ter pneumonia, como foi no meu caso. Eu falo que eu fui muito privilegiada porque com quatro milhões de cópias do HIV, e um CD4 de 3%, eu só tive pneumonia de doença oportunista”, relata Jennifer.
A professora ainda atua no Instituto Cultural Barong, uma Organização Não Governamental (ONG) que, entre outras ações, realiza testagens gratuitas de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
“No Instituto Barong nós temos uma van de testagem e, geralmente, vamos para os lugares que têm mais a população LGBTQIA+ e profissionais do sexo, para praticar a testagem, aqui em São Paulo. Nesse ritmo de testagem que estamos fazendo, testes positivos para HIV têm dado muito pouco, o que mais sai é sífilis. E por quê? Porque entrou a PrEP e a PEP, mas elas só te protegem do HIV e não das outras ISTs”, explica Jennifer
A infectologista Simone Terone explica como ocorre a utilização das Profilaxias de Pré-Exposição e Pós-Exposição.
“A PEP, que se chama Profilaxia Pós-Exposição, é utilizada quando o indíviduo tem exposição ao vírus do HIV, seja por prática sexual não segura ou outro tipo de exposição, como a agulhas, por exemplo. Ela é efetiva se for iniciada em 72 horas pós-exposição, mas sabemos que sua maior efetividade está nas primeiras 24 horas”, afirma.
“A mesma combinação que trata o HIV é utilizada na PEP, e ela deve ser usada por 28 dias com acompanhamento médico. A pessoa precisa ficar em observação por até três meses para se certificar que não houve a infecção com o vírus”, finaliza a especialista sobre a PEP.
“A PEP pode ser repetida quantas vezes for necessária, mas se uma pessoa tem exposição de risco frequente, é mais indicado que ela use a PrEP, que é a Profilaxia Pré-Exposição. Ela é feita de duas formas. A mais tradicional é usar a medicação diariamente, pelo tempo que a pessoa se entender sobre vulnerabilidade, e quem define isso é a pessoa junto do profissional de saúde. Existe ainda a PrEP sob demanda, que a pessoa usa a medicação somente nos eventos de risco. Ela usa de 24h a 2h antes e depois por mais dois dias, pós-relação. Ambas medicações são oferecidas gratuitamente pelo SUS”, esclaresce a infectologista.
Foi na busca por uma comunicação mais objetiva sobre HIV e aids que o influenciador e ativista Daniel Fernandes, 37, decidiu criar o canal Prosa Positiva, em 2016. Ele vive com o vírus desde 2011.
“Eu descobri em 2011, eu namorava na época e ele chegou em casa com uma IST. Como eu tinha um leve conhecimento sobre o assunto eu falei: ‘A gente vai lá no posto e faz os testes necessários’. O dele deu negativo para HIV, positivo para a IST específica, e o meu deu positivo para HIV”, relembra Fernandes. Pelo prévio conhecimento que o ativista tinha, ele não se sentiu impactado com a notícia.
“Meu namorado na época chorou e eu olhava para ele e dizia: ‘Menino, quem está com o negócio sou eu, não é você não, se aquiete’, brincou Fernandes. “Eu tive uma IST quando eu tinha 18 anos e isso me fez frequentar muito um site e eu acabei pegando muitas informações sobre como é viver com HIV. Eu também era muito viciado em Queer as Folk, a pessoa tem que ser bem velha para conhecer essa série (risos), e eles falavam de HIV desde o primeiro episódio”, conta o influenciador.
Fernandes é natural do Maranhão, mas mora atualmente em Recife. Sua mãe reside em Goiás, e o influenciador explica que o desejo de criar o canal surgiu na época que ele passou um tempo morando no estado do Centro-Oeste.
“Quando eu voltei a morar em Goiana, em 2016, eu levei alguns foras e foi exatamente por isso que eu decidi criar o canal. Eu conversei com a minha mãe e disse: ‘Eu estou achando muito estranho porque desde que eu me mudei para Goiana tem acontecido coisas que nunca foram do meu dia a dia. As pessoas estão dizendo que não têm noção de como lidar comigo’. Eu nunca critiquei essas pessoas porque em outra ocasição poderia ser eu agindo dessa forma, então eu sempre orientava a buscar informação”, conta o ativista.
“Na mesma data que eu descobri minha sorologia, em 2011, eu coloquei o canal no ar, que foi em 1º de agosto de 2016. A ideia do canal é falar sobre pessoas que vivem com HIV e aids, além de temas sobre sexualidade em geral. Quatro vídeos foram repostados pelo ONU. Agora eu estou querendo fazer algumas modificações, tenho alguns outros projetos envolvendo a comunidade LGBTQIA+ e cultura em geral, abordando o HIV”, anuncia o influenciador.
Tratamento alternativo
O empresário Marco Carboni é um dos fundadores do Instituto CuraPro, especializado no tratamento de doenças severas com o uso de cannabis. O Instituto está tratando sua primeira paciente com aids. Carboni explica que a criação da instituição ocorreu devido uma necessidade dentro de sua própria casa.
“Toda vez que eu tinha oportunidade eu ia aos Estados Unidos e trazia cálcio para minha mãe, que tem osteoporose. Em um determinando ano ela me pediu para trazer um remédio para asma. Lá nos Estados Unidos eu fui direcionado a uma loja que vendia produtos medicinais à base de cannabis e então eu trouxe o óleo para o Brasil. Minha mãe usou durante dois meses e melhorou demais. Ela usava aquela bombinha de asma cinco vezes por dia e passou a usar nenhuma”, explica o empresário.
Com a melhora na saúde de sua mãe, outras pessoas passaram a pedir que Carboni trouxesse o medicamento dos Estados Unidos ao Brasil. Foi necessário que o empresário regularizasse o transporte, já que a utilização de cannabis sem autorização pela Anvisa é proibida no nosso País. Depois de anos, com o aumento do dólar, ficou impraticável trazer a medicação. Daí surgiu a ideia de produzir o óleo em solo nacional.
“Nós plantamos aqui no Brasil, extraímos e produzimos o óleo. A gente se ampara no direito constitucional da saúde, da qualidade de vida e da dignidade humana. Na lei de nº 11.343/2016, em seu segundo artigo, diz que é proibido – e eles utilizam aproximadamente nove verbos: cultivar, extrair, beneficiar, transportar… cannabis – e no primeira paráfrago deste artigo diz: ‘exceto, para fins medicinais ou científicos'”.
O fundador do Instituto CuraPro defende que a utilização da cannabis, sob acompanhamento médico, é uma medicação alternativa que traz muitos resultados para com vive com HIV e aids.
“A cannabis, para o HIV, ajuda muito aumentando demais o sistema imunológico, ela combate todas aquelas naúsas do tratamento, a depressão, melhora o sono, o apetite, o que aumenta a proteção no sistema imunológico, além de combater diversos tipos de comorbidades que a aids traz, como as neuropatias, as inflamações, distroifia muscular, fadigas, entre outras”, finaliza.
Estadão Conteúdo