As ações de política monetária tomadas pelo BC (Banco Central) desde março para conter a inflação foram afetadas pelas recentes altas de preços dos combustíveis e da energia elétrica e ainda devem levar um tempo para chegar até o bolso dos consumidores.
Somente em setembro, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) saltou 1,16%, maior variação para o mês em 27 anos. A disparada fez a inflação oficial ultrapassar a marca dos 10% no período de 12 meses e se aproximar do triplo da meta estabelecida em 3,75% pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) para este ano.
A movimentação para conter a alta significativa começou na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de março, que elevou a taxa básica de juros da economia de 2% para 2,75% ao ano. Desde então, foram outras quatro altas que levaram a Selic ao patamar de 6,25% ao ano.
Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, afirma que, na teoria, aa variações da taxa Selic levam de seis a nove meses até serem percebidas na economia real. “Quando o Banco Central sobe os juros, a ideia é que o crédito fiquei mais caro e você desestimule a demanda por bens e serviços. Isso demora um tempo”, indica ela.
A explicação de Rachel leva em conta que a Selic é uma meta anualizada que ainda não está em 6,25% ano, patamar que representa o “custo do dinheiro” no Brasil. “São diversos empréstimos que já foram feitos sem correção e o impacto [dos novos juros] demora a ser sentido. Esse tempo varia de seis a nove meses, quando as famílias vão perceber na parte do crédito e com uma perda de ritmo da inflação. Não é que o preço vai cair, ele só começa a subir mais devagar”, explica a economista.
Renato Veloni, professor de macroeconomia no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), também estima que qualquer ação de política monetária leva ao menos quatro meses para ser refletida nas prateleiras. Para ele, é necessário um esforço conjunto do BC com o Ministério da Fazenda para segurar um “efeito bola de neve” nos preços com a contaminação de energia e combustíveis mais caros.
“O efeito juros é o mais perceptível aos empresários e consumidores, mas é um pouco traumático e a gente não consegue se livrar dessa inflação sem grandes esforços", diz ele ao defender altas maiores do que 1 ponto percentual da taxa Selic a cada reunião do Copom.
Ajuda fiscal
De acordo com Veloni, uma combinação entre políticas fiscal e monetária traria um impacto mais efetivo para conter o avanço dos preços. “A ciência mostra o que deve ser feito e que dá para vencer esse problema. Só é necessário saber se nós estamos dispostos a tomar esse coquetel de remédios que são muito amargos”, analisa ele.
As medidas citadas por Veloni envolvem, além da alta dos juros, ações de política fiscal, com investimento e déficit menores nas contas públicas. "Se o governo conseguisse segurar seus gastos, ele iria conter a demanda da economia, ia sobrar mais produtos para o mercado privado os preços seriam amenizados", pontua o professor, que reconhece a dificuldade das ações devido ao Orçamento que precisa ser aprovado pelo Congresso.
De acordo Raquel, os campos monetário e fiscal devem caminhar lado a lado para evitar que o BC "enxugue gelo" com uma política expansionista do governo. "A política fiscal tem que ser associada ao esforço da taxa de juros e o risco que a gente vê hoje envolve a pandemia, o desequilíbrio das cadeias de produção, o fechamento de fábricas, a crise hídrica e o encarecimento de insumos e do petróleo", ressalta a economista.
Ela prevê que a situação deve se normalizar ao longo do ano que vem, com a manutenção dos juros em um nível elevado, sem aumento do rombo nas contas públicas. “Se a política fiscal for para o outro lado, com aumento de gastos e flexibilização demais das regras, isso pode tudo ser em vão e o Brasil acabar com inflação e juros elevados”, afirma Rachel.