Após um ano de trabalho intenso, a saúde dos profissionais da linha de frente no atendimento a pacientes com covid-19 preocupa ainda mais no país. Até 1º de março, o que exclui a semana mais grave da pandemia, o Ministério da Saúde registrou 484.081 casos de SARS-CoV-2 entre profissionais de saúde e 470 mortes, o que significa um óbito a cada 19 horas, desde a primeira vítima da doença no Brasil, em 26 de fevereiro.
Quando a pesquisa se restringe a equipes de enfermagem, o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) relata que 648 profissionais morreram devido à doença, sendo que no pequeno período de 1º de fevereiro a 3 de março foram registrados 115 óbitos.
O presidente do Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo), James Santos, ressalta que o número de profissionais infectados é ainda maior. “Esse número ainda é subnotificado, já que dependemos da notificação da própria ao conselho e nem sempre isso acontece”.
Mesmo sendo mais de uma morte de profissionais da saúde por dia, os dados do ministério também podem estar subnotificados, uma vez que são analisadas informações do SIM (Sistema de Informação de Mortalidade) e do (Sivep-Gripe (Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe), não sendo obrigatório colocar o acupação da vítima no sistema.
'Seguimos tratando quase que no automático'
A preocupação não está somente na possibilidade de morte e contaminação desses profissionais, mas também na sua condição mental para o trabalho. “Estamos exaustos. A maioria de nós sem tempo de descanso, ainda afastados dos familiares. Tem momentos que perdemos dois, três pacientes em menos de 30 minutos. Não há tempo para recuperação da equipe. Seguimos tratando quase que no automático”, afirma a médica Glaucia Finotti, que está na linha de frente da covid desde março do ano passado.
Diante de depoimentos como esse, a AMB (Associação Médica do Brasil) fez uma pesquisa com 3.882 médicos nos 27 Estados e Distrito Federal, em janeiro deste ano, para checar qual era a percepção dos profissionais frente à pandemia.
Cerca de 64% dos entrevistados relataram estresse; 62%, exaustão física e emocional; 54,1% contam que estão mais ansiosos; 34,4% disseram apresentar dificuldade de concentração; 27% têm mudanças bruscas de humor e 7,9% sentem sobrecarga de trabalho. Na pesquisa, os entrevistados podiam escolher mais de uma alternativa como resposta.
Para o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes mesmo sendo uma pesquisa recente, a situação pode estar ainda mais grave no momento. “Terminamos a pesquisa de meados ao fim de janeiro. Agora, certamente, a condição do profissional deve estar pior, uma vez que a pandemia se agravou no Brasil. Precisamos de ações práticas e não discursos”, afirma.
O médico completa com um desabafo da condição da classe nessa crise sanitária. “Estamos exaustos. Não somos nós que compramos vacinas, que formulamos políticas de saúde, que negociamos com laboratórios para comercialização de vacinas e não somos chamados a essas discussões. Estamos à margem da discussão. Só trabalhamos.”
Entre os profissionais de enfermagem, os relatos são similares. “A doença mental é a mais prevalente entre os profissionais de saúde em geral. Na primeira onda, fizemos uma sondagem e foi mostrado que 84% dos profissionais tinham medo de se contaminar e contaminar os familiares. Não temos números atuais, mas certamente segue o mesmo padrão”, afirma o presidente do Coren-SP.
Como melhorar condições de profissionais?
Com o crescente número de novos casos e internações, a situação tende a ficar ainda mais agravante e Santos lembra que, nos momentos de caos, os cuidados não podem ser deixados de lado. “Os ambientes têm se tornado mais perigosos, pelo alto número de internados. Quando estamos com quase 100% de ocupação, todos acabam sofrendo com a falta de condição do trabalho. Quando o próprio secretário de saúde de São Paulo afirma que vai haver leitos em vários locais, nos corredores, o estresse aumenta. Porque essa situação expõe o profissional e o doente”, explica.
Para o dirigente da Associação Médica, só há uma forma de ajudar os médicos e profissionais da saúde neste momento: diminuir o número de internações. “A única possibilidade de oferecer uma ajuda concreta aos médicos é reduzir o número de casos. A receita já está muito clara para todos: isolamento, distanciamento social, higienização das mãos e, sobretudo, vacina. Vacina já. Não adianta dizer, vamos vacinar ao longo do ano, não adianta. O ritmo tem de ser mais rápido. Só diminuindo casos ajuda a condição dos médicos no Brasil”, define Fernandes.